São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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O STF e a unidade do Direito nacional

GERALDO BRINDEIRO

O Supremo Tribunal Federal foi criado nos primórdios da República, inspirado no modelo da Suprema Corte dos EUA. A evolução histórica da Corte é registrada nas constituições republicanas brasileiras até a Constituição Federal de 1988. Nelas se destacam os papéis do STF de guardião máximo da Constituição, das liberdades públicas e da unidade do Direito nacional.
O saudoso ministro Aliomar Baleeiro -ex-presidente da Corte- destacava que o STF, no exercício de sua jurisdição constitucional, tem uma dimensão política, no sentido mais puramente helênico, que o distingue de quaisquer outros tribunais do país.
E, como observa o professor Mauro Cappelletti, além do "judicial review", o controle jurisdicional de constitucionalidade "difuso", segundo o modelo original norte-americano, surgiram depois, na Europa continental, o controle jurisdicional "concentrado", exercido apenas pelas cortes constitucionais, como na Alemanha e na Itália, e o controle "político", como o realizado preventivamente pelo Conseil Constitutionnel na França.
A missão constitucional dos supremos tribunais e das cortes constitucionais, todavia, não se realiza sem atender às peculiaridades históricas, políticas e culturais de cada país e considerando as raízes dos seus sistemas jurídicos.
Nesse sentido, é importante ter em mente as lúcidas observações do professor René David, na sua obra "Les Grands Systèmes de Droit Contemporains", especialmente quanto aos sistemas do "common law", originário da Inglaterra, de que fazem parte os EUA e os países da Commonwealth, e do "civil law" ou de tradição romanística, de que fazem parte os países da Europa continental e da América Latina, entre os quais o Brasil.
O direito comparado tem utilidade à medida que permite a cada país usufruir das experiências bem-sucedidas de outros nas soluções de seus problemas jurídicos análogos, com as adaptações necessárias à sua cultura e às suas tradições, preservando a identidade nacional.
As peculiaridades da Federação brasileira, fruto das contingências históricas de sua formação, partindo da descentralização de um Estado unitário, revelam a existência de uma Constituição Federal analítica e de leis federais que regulam todas as matérias relevantes.
A experiência bem-sucedida das súmulas, iniciada há quase 40 anos no STF, introduzida pelo saudoso ministro Victor Nunes Leal e inspirada na doutrina do "stare decisis" e nos "restatements of laws" do direito anglo-americano, demonstra a necessidade de lhes dar caráter vinculante, a fim de assegurar maior credibilidade ao sistema jurídico pátrio, em consonância com os princípios da legalidade e da igualdade perante a lei.
As cláusulas do "due process of law" (devido processo legal) e da "equal protection of the laws" (igual proteção das leis) se complementam reciprocamente, como garantias fundamentais da Constituição. A garantia da prestação jurisdicional, com a devida presteza e sem procrastinações, é corolário do devido processo legal. Penso na necessidade de reformas a fim de tornar o processo mais moderno e funcional, atendendo aos anseios da sociedade.
A jurisprudência do STF é fundamental para o desenvolvimento das relações jurídicas e a consolidação do Estado Democrático de Direito. E é essencial para assegurar o pleno êxito na difícil tarefa de conciliar a tradição com a mudança, necessária ao progresso, e na incumbência dos juristas, de garantir a estabilidade jurídica e, ao mesmo tempo, a realização da Justiça e a renovação do Direito, indispensável ao aprimoramento das relações sociais e humanas.
Lembro-me, então, de Holmes e de Cardozo, "justices" da Suprema Corte americana, o primeiro assinalando como o juiz "deve olhar ao seu redor", olhar o mundo em que se encontra para julgar; e o segundo destacando os "biases", as preferências de valores dos juízes, sua formação moral e ética, decorrente de suas origens e do ambiente em que vivem e viveram, devendo deles se desvencilhar, tanto quanto possível, para decidir de acordo com os valores da ordem jurídica.
Lembro-me ainda da frase lapidar de Holmes, segundo a qual "o Direito não é apenas lógica, mas experiência". E da lógica do razoável de Recaséns Siches, e ainda da dialética de implicação polaridade do professor Miguel Reale, demonstrando a complementariedade dos valores justiça, segurança e bem-estar, e a liberdade humana como valor-fonte das normas destinadas a assegurar sua dignidade como pessoas.

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