São Paulo, segunda-feira, 2 de junho de 1997
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Lenda anima festa junina no Maranhão

JOSÉ ALBERTO GONÇALVES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Catirina, grávida, desejava a língua do boi. Pai Francisco, atendendo ao capricho de sua mulher, rouba o boi de seu amo, o dono da fazenda onde trabalhava, e arranca a língua do animal.
Delatado, Pai Francisco é preso. Sob ameaça de morte, Nego Chico terá de dar conta do boi. Doutores e pajés são chamados para curar o bicho, que finalmente ressuscita. Pai Francisco é solto, e todos festejam a volta do boi.
Essa é, em resumo, a lenda que originou o auto do bumba-meu-boi, que começou como brincadeira de escravos e transformou-se no carro-chefe dos festejos juninos no Maranhão.
Diferente do que ocorre em outros Estados, onde o boi integra o ciclo das festas natalinas, no Maranhão ele é promovido em intenção de São João.
Por isso, o auge das apresentações desse folguedo se dá em junho, especialmente entre os dias 23 (véspera de São João) e 30 (dia de São Marçal).
Por meio de cantos, danças e coreografias, os participantes do bumba-meu-boi homenageiam São João e pagam promessas.
Segundo Maria Michol Pinho de Carvalho, diretora do Centro de Cultura Popular do Maranhão, "o boi funciona como veículo de comunicação espiritual, ponte de ligação entre santo e devotos".
"O boi expressa o sincretismo religioso", diz Sérgio Ferretti, professor de antropologia da Universidade Federal do Maranhão.
Segundo Ferretti, durante os festejos juninos, o boi visita seus protetores, a fim de homenageá-los. Não importa se são os santos católicos ou caboclos e pretos velhos presentes no tambor de mina, espécie de candomblé maranhense, de origem nagô.
Além de alusões ao auto original, envolvendo os escravos Catirina e Pai Francisco, as toadas satirizam personagens famosos e protestam contra cenas da política, entre outros assuntos em evidência.
Improviso
Como uma espécie de cordel coletivo, o puxador cria versos de improviso. Os participantes fazem coro no refrão ou cantam toadas.
Segundo Maria, a reação da sociedade maranhense ao boi nem sempre foi de aplausos.
"Enquanto manifestação cultural dos setores populares, durante o século 19 até cerca de 40 anos atrás, o boi foi violentamente discriminado, perseguido e reprimido", afirma a diretora.
Ela conta que a imprensa maranhense considerava o boi um folguedo estúpido e imoral, uma "brincadeira" dos negros contra a ordem, a civilização e a moral.
Por isso, até as décadas de 30 e 40, o boi não ia até o centro da cidade. Segundo Maria, a elite maranhense não aceitava o barulho e as perturbações da festa.
Além do bumba-meu-boi, quem visitar São Luís em junho vai conhecer outras manifestações, como o tambor de crioula, a dança de São Gonçalo, o Coco, Bambaê de Caixa, Cacuriá, Fita, Boiadeiro, Facão, Portuguesa e as quadrilhas.
O calendário do bumba-meu-boi tem início com os ensaios, a partir do sábado de Aleluia, e seu auge se dá durante os festejos juninos.
No dia de Santo Antônio, 13 de junho, os grupos realizam os últimos preparativos. De acordo com a tradição, os bois não tocam até a véspera de São João.
No dia 23 de junho, ocorre o batismo do boi. Segundo Ferretti, até os anos 50, o boi era batizado dentro da igreja de São João.
A cerimônia foi proibida nos anos 60 por padres. Por isso, os batismos passaram a ser feitos na frente da igreja ou em casas com a imagem de São João. Batizado, o boi visita casas, terreiros e arraiais.
A capela de São Pedro recebe, no dia 29, as visitas dos bois, que homenageiam o santo. No dia seguinte, de São Marçal, os bois se despedem no bairro de João Paulo.
O ritual da morte do boi estende-se geralmente de julho até outubro. Também há bois que se apresentam fora do calendário tradicional da festa.

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