São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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Surpresas no mapa industrial

ANTONIO BARROS DE CASTRO

De acordo com uma fonte do MICT, a medida provisória que acrescentou benefícios adicionais para as indústrias automotivas que decidissem se implantar no Nordeste, Norte ou Centro-Oeste teve efeitos muito superiores aos esperados. ("Gazeta Mercantil", 2 de junho de 97). "Nunca pensamos que tantas montadoras iriam se habilitar...", acrescenta a referida fonte.
O primeiro comentário a esse respeito é que os técnicos do MICT não estão sozinhos. Economistas em geral -aí incluídos especialistas em questões regionais-, bem como empresários de diversas procedências, tampouco previram qualquer coisa semelhante à corrida observada nos últimos dias. De fato, ressalvados uns poucos visionários -cuja argumentação soava, até há pouco, fortemente voluntarista-, erramos todos na avaliação das reais possibilidades de se levar plantas automotivas para regiões como o Nordeste ou o Centro-Oeste.
A maior fonte de equívocos parece ter sido a convicção, firmemente arraigada, de que o novo paradigma organizacional e tecnológico é muito exigente no que toca à qualificação da mão-de-obra, à rede local de supridores de peças e partes, e à infra-estrutura de serviços básicos. Tomemos aqui unicamente o primeiro requisito.
A primeira impropriedade aqui consiste em que a suposta exigência de trabalhadores altamente qualificados tem uma condição não explicitada: a qualificação é exigida para que se consiga tirar das novas tecnologias o máximo proveito. Mas as tecnologias avançadas são muito versáteis -e podem também ser operadas muito aquém de suas possibilidades. Além disso, se o rendimento do homem é um terço do que poderia ser, mas o salário é um décimo do praticado em países desenvolvidos, a (sub)utilização da máquina pode fazer bastante sentido.
Enquanto muitos se equivocavam ao exagerar as exigências ou requisitos das máquinas e técnicas modernas, outros incidiram em erro de outra natureza. Para eles, a vantagem do Nordeste consiste em mão-de-obra barata. Consequentemente, aberta a economia, a região não atrairia indústrias com capital relativamente intensivo como a automobilística.
Além de problemas como os que acabam de ser mencionados, a subestimação da capacidade das regiões atrasadas de atrair -genericamente- investimentos parece decorrer de três fenômenos, que só agora vão sendo devidamente percebidos.
Primeiramente, as novas técnicas e formas de organização têm tornado os capitais produtivos mais leves e transferíveis ("foot loose"). Em outras palavras, aumenta a importância relativa de equipamentos altamente perecíveis, reduzindo-se com isso o peso e a influência dos chamados custos enterrados. Consequentemente, aumenta para as empresas a atratividade de fazer-se presente em toda parte.
Por outro lado, as regiões atrasadas começam a ser descobertas por empresas internacionalmente de segundo escalão, como espaço para a penetração em mercados promissores, mas já basicamente ocupados por empresas líderes.
Finalmente, ninguém realmente podia prever que o império do mercado, proclamado por Brasília, viesse a ser tão frequentemente contornado pelas políticas de governadores e prefeitos.
É costume dizer que os países acabam descobrindo maneiras de evadir-se às regras estritas da economia de mercado. Os Estados Unidos, por exemplo, pela proteção acintosa de certos setores e, digamos, pela imposição de quotas voluntárias. Certos países da Europa, pela multiplicação de controles supostamente sanitários, selos verdes etc. O Brasil, além dos regimes especiais, parece que vai descobrindo e instrumentalizando a sua diversidade regional.
Na medida em que isso ajude a combater as desigualdades do país, tanto melhor. Mas, convenhamos, estamos prevendo e entendendo muito pouco do que se passa nesse campo fundamental para a definição do futuro desta economia.

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