São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Frutos da terra: uma boa nova

EVARISTO MARZABAL NEVES

Nestes dias tão conturbados, que evidenciam as fragilidades políticas, sociais e econômicas nacionais, nada como uma boa notícia. Projeções efetuadas pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura estimam que, se forem mantidos os atuais índices de crescimento agrícola da balança comercial, o setor agroindustrial brasileiro deverá exportar cerca de US$ 20 bilhões, 11% mais do que no ano passado. Em 1996, as exportações agroindustriais, correspondentes a 35 itens (produtos de origem vegetal e animal), alcançaram US$ 17,9 bilhões.
Não há dúvida de que fatores favoráveis vêm convergindo para esse marco histórico, como os bons preços internacionais de algumas "commodities" (entre elas, café, soja e subprodutos), maiores quantidades embarcadas e a desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos básicos e semi-elaborados.
Mas não se pode creditá-lo somente a esses fatores, pois medidas de incentivo, acompanhadas por maior compreensão e menos amarras tributárias, vêm tornando o setor mais competitivo internacionalmente.
A boa nova é uma prova inequívoca da velocidade de resposta de um setor em que o país apresenta nítidas vantagens comparativas internas, mas perde fôlego nas competitivas, quando se defronta com barreiras tarifárias e não-tarifárias (entre essas, as sanitárias e fitossanitárias) externas, algumas consideradas vergonhosas e esdrúxulas.
É, ainda, mais um sinal de que o setor agroalimentar, melhor amparado e aparelhado, é o trunfo nacional de sustentação à corrida para a captação de investimentos externos e modernidade do setor industrial que, em diversos de seus segmentos, não são, no momento, competitivos mundialmente.
Nesse sentido, o Encontro das Américas (Belo Horizonte, 13 de maio a 16 de maio), com representações (públicas e privadas) de 34 países americanos e responsável pelo processo de conformação de integração continental, denominada Alca (Área de Livre Comércio das Américas), em parte avalizou o que parece consensual para o governo brasileiro e iniciativa privada.
De um lado, essa integração deve ser feita em etapas bem definidas, com adequado tratamento no tempo para acesso a mercados e um espaço temporal suficiente para discussão de um sistema equilibrado de negociação (em miúdos, um prazo mais longo para a consolidação pacífica da integração continental); por outro, um reforço à sugestão do ministro das Relações Exteriores de criação de um grupo de negociação específico para os temas da agricultura, cujo "agribusiness" bate nos 35% do PIB brasileiro, mas chega a até 80% para a economia de alguns países da América Latina.
Parece que o recado está dado. A própria fala do presidente FHC, no evento de Belo Horizonte, de que, "por sua vocação democrática, livre mercado deve significar benefícios perceptíveis a cada habitante de cada um dos países", estaria sinalizando que, no atropelo, aumentar-se-iam a indesejada concentração comercial, o empobrecimento de países e agravar-se-iam as disparidades sociais.
É preciso dar tempo para a preparação das economias do continente americano à integração, principalmente nos setores secundário e terciário da economia e, também, para apreender, desenvolver socioeconomicamente e valorizar a importância do setor primário na maioria dos países latino-americanos.
Para o Brasil, a prova evidente está aí, nessa boa nova do crescimento dos agronegócios ao redor de 11% na balança comercial, alentado pela perspectiva de que o PIB rural poderá crescer até 7,5% neste ano, segundo a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
São frutos da terra brasileira. Essa vem respondendo aos anseios dos mercados interno e externo, mas reclama, ainda, a compreensão e o entendimento pátrios para as graves tensões sociais no campo.
Nesse sentido, qualquer esforço adicional de ajustes socioeconômicos, internos e externos, bem antes da implantação da Alca, direcionará o Brasil para a colheita de mais frutos de sua terra, que, com certeza, serão socialmente mais doces.

E-mail: diretor@esalq.usp.br

Texto Anterior: Surpresas no mapa industrial
Próximo Texto: Sindicato dos EUA critica 'fast track'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.