São Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1997
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A artificialidade das CPIs

AYRES DA CUNHA

É inegável que estamos atravessando outra crise moral, com as acusações que vêm sendo feitas sobre a venda de votos para aprovar a emenda da reeleição. Mas nada justifica que agora se crie uma nova CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para tratar do assunto.
Aliás, nos últimos tempos, a instalação de CPIs, em níveis municipal, estadual e federal, a torto e a direito, virou moda.
O grande engodo é que o objetivo das CPIs no Brasil não é absolutamente moralista, como pregam alguns. Essas comissões ultimamente têm servido, isso sim, de passarela para que alguns escravos da vaidade desfilem seus julgamentos, como "homens acima de qualquer suspeita", "heróis da moralidade nacional", na busca do prestígio que podem obter graças à superexposição na mídia.
Dessa forma, muda-se o foco das prioridades nacionais; com isso, as reformas estruturais, que levariam o país à modernidade, ficam relegadas a um segundo plano.
Desde logo, quero esclarecer que sou contra a instalação de CPI do Voto ou de CPI de qualquer natureza, porque suas atividades geram fatos políticos capazes de perturbar o andamento do processo de privatização das estatais, bem como as reformas política, tributária e administrativa.
Porém isso não quer dizer que compactuo com fraudes e desmandos de qualquer natureza. É absolutamente primordial que quaisquer escândalos sejam apurados e os culpados, punidos, mas não é parando o país mais uma vez que chegaremos a alguma solução.
O que precisamos, na verdade, é aprimorar o sistema de punição aos corruptos, sejam eles governantes, parlamentares, juízes, policiais ou cidadãos comuns.
Em alguma medida, o que se verificou no episódio da venda de votos é um problema que pode acontecer em maior ou menor escala em qualquer país do mundo onde funcione um Congresso. No Brasil, os fatos são agravados pela visão cartorial de nosso povo.
Vejamos. Quem elege um deputado espera favores de seu eleito. Por sua vez, o parlamentar eleito, na maioria das vezes, é candidato ou à reeleição ou a algum outro cargo político e sabe que precisa atender ao povo da região que o escolheu, para viabilizar a sua volta ao poder depois de quatro anos.
A questão política se embaralha com a administrativa. Sacraliza-se a prática política de pedir cargos públicos para apadrinhados. São as ondas do empreguismo batendo forte nas ilhas do corporativismo.
Sabemos que há deputados que votam determinadas emendas para obter certos cargos que lhes dão poder. A atitude de deputados pedindo dinheiro em troca de votos é uma exceção, mas a procura de cargos em troca de votos é normal.
E, nessa hora, que ninguém seja hipócrita ou se faça de cego. É claro que existe fisiologismo no Congresso Nacional. Mas também existe muita gente honesta querendo melhorar nosso país, que vota com o governo somente porque acredita na proposta e na política do governo.
Insisto que não é na artificialidade de uma CPI, com toda a sua dramaticidade que nos faz lembrar a Revolução Francesa, que estão as soluções para melhorar a prática legislativa. Apoteoses verbais, dramatizações, delírios investigativos já não nos comovem nem convencem.
O Congresso Nacional não tem poderes para punir ninguém criminalmente. O máximo que uma CPI do Voto poderá fazer é enviar seu relatório conclusivo para o Ministério Público, pedindo as providências necessárias para o caso. De resto, é puro terrorismo, mera encenação.

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