São Paulo, quinta-feira, 5 de junho de 1997
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A responsabilidade de Requião

LUÍS NASSIF

Nos seus primeiros dias, a CPI dos Precatórios simbolizou um dos momentos mais mesquinhos da vida pública nacional recente: senadores vingativos, amargos, mais preocupados em fuzilar seus opositores do que em buscar a verdade; uma cobertura viciada, preocupada mais em colher as abobrinhas dos senadores do que em aprofundar temas levantados; um show de exibicionismo e de falta de respeito, na TV Senado, que em nada ficava a dever aos paus-de-arara das delegacias policiais.
Com o tempo, melhorou -não muito. Reduziu-se a dose de sensacionalismo, mesmo porque cansou. Mas persistiu o amadorismo nas investigações. Em duas oportunidades, os senadores faltaram lamentavelmente com a palavra (e são senadores da República!), vazando informações passadas por testemunhas contra o ex-prefeito Paulo Maluf, para quem elas haviam garantido sigilo de fonte -em vez de aproveitá-las para investigações criteriosas e aprofundadas. Mataram qualquer possibilidade de encorajar novas testemunhas a trazerem informações.
Pistas relevantes levantadas imediatamente eram transmitidas à imprensa, impedindo sua utilização para criar conflito entre os suspeitos.
Se alguém tinha alguma esperança de que uma CPI pudesse resultar em um trabalho eficiente, certamente não mais tem. Nem o PT, que tantas vezes afirmava que, em uma CPI, quem não deve não teme. Todo mundo teme, sim, porque os tiros disparados por senadores e repórteres despreparados têm mais possibilidade de acertar chaminés do que culpados.
Pontos positivos
Mesmo assim, pode-se sair com um balanço positivo do caso -se o relatório conseguir driblar o sensacionalismo vazio do show, e comportar-se como uma peça jurídica.
Está em mãos do senador Roberto Requião a responsabilidade de demonstrar que o Senado comportou-se responsavelmente -pelo menos na peça final.
Durante meses, senadores e setoristas jogaram na lama reputações, sem nenhuma preocupação em ouvir o contraditório ou dar chance de defesa para suspeitos. A CPI teve o poder de abrir todas as contas, telefônicas e bancárias. Chegou a levantar agendas particulares, com telefone de namoradas de suspeitos -tal o nível de invasão da privacidade.
Por tudo isso, é relevante que só se afirme o que se pode comprovar. Não se condene sem provas. Há operação que é assalto puro. Há operações que se prevalecem de imperfeições do mercado. Da mesma maneira que os senadores utilizaram a falta de clareza dos seus próprios procedimentos para absolver os seus da irresponsabilidade de aprovar a emissão fraudulenta de títulos.
É importante que a CPI junte elementos factuais para demonstrar onde está o dolo, onde está a vítima. Cada peça do relatório será esmiuçada. Se não tiver consistência, cometem-se dois crimes: um contra o Legislativo, que vai demonstrar sua incapacidade de desvendar os grandes golpes contra o patrimônio público; outro contra o Judiciário, que não terá elementos para condenar os acusados.
Caixinhas políticas
No plano político, é evidente que, a partir de um certo momento, os senadores recuaram em sua intenção de vasculhar caixinhas políticas de acusados, ou de avançar nas investigações sobre esquemas de doleiros -por onde trafega o dinheiro de campanha de todos os partidos, e as propinas.
Mas a decisão de pedir punição severa para governantes que descumpriram a Constituição -utilizando dinheiro de precatórios para outros objetivos- pode ser um marco, para acabar de vez com a cultura do "jeitinho" que tanto atrapalha a vida nacional.
Tudo isso teria sido possível, com muito mais resultados, no âmbito de outro tipo de investigação, menos sensacionalista e oportunista que uma CPI.
Paraná
Por meio de manobras protelatórias, os senadores Roberto Requião e Osmar Dias estão retendo a liberação de um US$ 1 bilhão de instituições internacionais, para obras sociais no seu estado, o Paraná.
Seria conveniente que o senador Requião parasse com essas manobras, até mesmo para demonstrar que o Senado tem condições de legislar acima das miudezas.

Email: lnassif@uol.com.br

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