São Paulo, quinta-feira, 5 de junho de 1997
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Documenta vê o Brasil de Hélio, Lygia, Tunga e Cabelo

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

A 10ª edição da Documenta de Kassel, a mais cobiçada, aguardada e festejada mostra de arte contemporânea do planeta, privilegiou o Brasil em sua última edição do século, e do milênio.
Quatro brasileiros foram selecionados: Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Tunga, 45, e Cabelo, 29. Os dois primeiros terão mostras históricas. Além deles, até o momento, um único latino-americano foi selecionado: o argentino Gabriel Orozco. A curadora divulga a lista definitiva no dia 19. A mostra acontece entre 21 de junho e 28 de setembro.
O privilégio não é casual. Catherine David é seguidora da arte contemporânea brasileira e já promoveu mostras de Tunga e Hélio Oiticica quando era curadora do museu Jeu de Paume, em Paris.
Leia abaixo a primeira parte de entrevista que concedeu à Folha, por telefone, de Kassel.
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Folha - Que tipo de ligação você vê entre Hélio Oiticica, Lygia Clark, Tunga e Cabelo?
David - No que concerne ao trabalho de Lygia Clark e Hélio Oiticica, é evidente que tentei localizá-los na perspectiva histórica dos anos 60 e 70, para assim mostrar que certas operações formais e intelectuais foram conduzidas em diferentes centros de modernidade no mundo simultaneamente.
A arte brasileira estava em uma fase muito interessante. O Brasil não era um país subdesenvolvido, mas mal desenvolvido. Eu não diria periferia, pois o conceito de periferia é muito ideológico. A periferia é sempre definida em relação a um centro e, a cada dia que passa, isso é sempre mais contestável. É importante mostrar que, nos anos 60 e 70, duas obras fundamentais foram produzidas e que, por acaso, eram brasileiras.
Os artistas brasileiros estão entre os melhores, mas não escolhi países. Escolhi obras e conceitos, como também formas e idéias que hoje, nos anos 90, me parecem ser mais convincentes, necessárias e importantes que outras.
Folha - Por que você selecionou Cabelo, um artista com um produção ainda embrionária?
David - A Documenta não é feita para a consagração do artista. Ela sempre foi um endereço de pesquisa, que se faz com certezas, mas também com participações jovens. O trabalho de Cabelo me pareceu diferente, absolutamente sem pretensão formal e muito ousado em sua formulação.
A Documenta é feita também de entusiasmo e Cabelo fez uma bela performance no projeto "Antarctica Artes com a Folha", que acompanhei em minha última visita ao país. Vai ser interessante mostrar sua performance aqui durante três dias.
Folha - Por que você colocou os anos 60 como ponto de partida da Documenta?
David - Esta é a última Documenta do século, mas não deve representar toda a arte do século 20. Essa não é sua vocação. Nossa vocação é, a partir de um espaço ideológico e estético, criar uma manifestação que considere certas obras sob um caráter histórico, na forma de uma "retroperspectiva".
Não é uma retrospectiva, não tem um caráter exaustivo. A "retroperspectiva" está mais atenta aos ecos, mesmo que esses não tenham relações, genealogias ou influências diretas sobre obras ou artistas em particular. Existem artistas hoje que trabalham sem conhecer qualquer artista dos anos 60 que me interessa, como Hélio Oiticica ou Lygia Clark.
Folha - A arte contemporânea é popular? As pessoas se interessam por arte contemporânea?
David - Não acredito que a arte contemporânea seja popular, nem nunca foi. Também não acredito que certas pesquisas formais e intelectuais venham a ser populares. Espero que a Documenta seja acessível a um grande número de pessoas. Eu diria que a arte contemporânea pode ser acompanhada.
Folha - Os meios de comunicação não ajudam na popularização da arte contemporânea?
David - Podem ajudar as pessoas, informando-as, mas não acredito que seja a Internet ou três minutos de televisão que irão substituir as visitas aos museus, os eventos culturais, as leituras. Também não acredito que a arte vai resolver os problemas que são de ordem social e econômica.

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