São Paulo, sexta-feira, 6 de junho de 1997
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Amostra de pesadelo

JANIO DE FREITAS

Figura jamais saída da zona de sombra e água fresca da Câmara, o deputado Nelson Otoch serve-se de um inesperado realce como tapa-buraco para oferecer, mesmo que sem tal intenção, mais uma evidência da presença assumida pelo autoritarismo nas concepções do PSDB para o Brasil.
Para quem não o notou nem agora, Nelson Otoch foi o escalado para fazer as vezes de relator do processo contra os deputados Chicão Brígido (licenciado), Osmir Lima e Zila Bezerra, acusados em gravações, com os dois que já renunciaram, de receber dinheiro para votar a favor da reeleição. O relator seria Almino Afonso, que se recusou à farsa de investigar em uma comissão que não tem poder nem sequer para convocar depoentes.
A primeira manifestação de Otoch no papel denunciado por Afonso foi uma reveladora subversão de um artigo constitucional. Atitude, convenhamos, nada original nas relações dos peessedebistas com a Constituição. Mas trazendo contribuição mais explícita à aversão que os peessedebistas vinham demonstrando à liberdade de imprensa. Fizeram-no, até então, por intrigas e queixas a donos de meios de comunicação. Otoch pôs o dedo-duro no princípio fundamental para o direito de informar e para o direito de ser informado.
Pretende ele que Otavio Frias Filho e Fernando Rodrigues, diretor de Redação da Folha e repórter do caso de compra de votos, revelem à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara os nomes dos participantes na obtenção das gravações reveladoras. Ou seja, quer a quebra do sigilo que resguarda as fontes de informação.
O argumento de Nelson Otoch é apenas calhorda. Supõe ele que o art. 45 da Constituição, ao assegurar "o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional", conduz ao seu inverso. "Obriga todo jornalista e todo órgão de imprensa", diz o deputado cearense, "a revelar a fonte quando o sigilo não é mais necessário". Por isso, Otoch propõe-se a todas as medidas capazes de forçar a quebra do sigilo pelos dois jornalistas. Como argumento, chega a ser gaiato, mas a vocação do autoritarismo está toda aí.
Para começar, os dois só irão depor se quiserem, porque Otoch pode convidá-los, quando muito, tendo tantos poderes para convocá-los quanto um porteiro da Câmara. Além disso, o resguardo das fontes de informação, mesmo que não fosse tão claro e direto na Constituição, está ainda na Lei de Imprensa, e respeitá-lo em todas as instâncias é obrigação assumida pelo Brasil em tratados internacionais.
Os peessedebistas podem estar diplomados em vencer votações parlamentares com votos comprados. Também estão diplomados em amestrar, por diferentes meios, certo tipo de jornalistas. Mas ainda estão distantes do sonho fujimorista implícito na calhordice de Nelson Otoch. Talvez no segundo mandato cheguem lá ou, pelo menos, bem mais perto.
Quanto ao futuro relatório de Otoch, já é mais do que suspeito: já está viciado. Comprova-o, sem precisar de mais, a relação dos "convocados" para depor: além dos dois jornalistas, Ronivon Santiago e João Maia, que renunciaram ao mandato e também não devem satisfações a um Otoch qualquer. Os governadores Amazonino Mendes e Orleir Camelli e Sérgio Motta, acusados da compra de votos, não foram "convocados". A Câmara vai ficando cada vez mais parecida com circo.

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