São Paulo, sexta-feira, 6 de junho de 1997
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Irlandês 'Mães em Luta' dignifica filme político

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Este é o filme político que volta a dar dignidade ao gênero. Tem fermentos de um bom teatro brechtiano, mas sem recheio ideológico.
O drama tem dimensão shakespeariana e sabe como emocionar o espectador.
"Mães em Luta", que estréia hoje, é assinado pelo estreante norte-irlandês Terry George, sem deixar de ser também um filme de Jim Sheridan, o cineasta que levou a luta política dos irlandeses à pauta dos Oscars com "Em Nome do Pai".
George e Sheridan trabalham juntos desde o catatônico "Meu Pé Esquerdo". Terry George assina este filme para resguardar Sheridan (co-roteirista e produtor) do improvável estigma de cineasta engajado.
A causa que veremos é justa e real. Terry George aplica ainda o seu inconformismo de jornalista, a base marcante dos seus nervosos roteiros.
Fala de um tempo em que a imprensa internacional deslumbrava-se em consolidar a imagem da "dama de ferro" Margaret Thatcher.
Enquanto a primeira-ministra dos britânicos posava de durona, membros do IRA na prisão viviam uma guerra surda pelo reconhecimento do status de prisioneiros políticos.
Noticiário internacional
Perdidas todas as tentativas de se obter o status, simbolizado pelo inocente desejo de vestir roupas civis e não uniformes de criminosos comuns, começa uma greve de fome radical, liderada em março de 1981 por Bobby Sands.
No mês seguinte, sempre preso, ele é eleito para o parlamento inglês com mais de 30 mil votos. Morre como herói depois de 66 dias de greve de fome, e seu enterro tem um cortejo formado por mais de 100 mil pessoas.
Mais nove presos irão morrer de fome ao longo de 217 dias de resistência.
No dia 3 de outubro do mesmo ano, num gesto patético, as autoridades britânicas cedem aos presos o direito de vestir suas próprias roupas trazidas de casa.
É a este "fato menor" do noticiário internacional da época que a consagrada dupla irlandesa irá dar uma dimensão universal.
Ou como justificou Jim Sheridan em suas notas de produção: "O filme trata do impacto da guerra sobre pessoas que nunca são notícia: as famílias, as mães em particular, a quem cabe juntar corpos dilacerados e chorar os filhos em silêncio".
À margem do confronto entre radicais da linha terrorista do Exército Republicano Irlandês, o IRA, e do governo britânico, a dupla George-Sheridan faz o fermento político agir no encontro de duas mães de prisioneiros em greve de fome.
Mais ao fundo do noticiário, numa dimensão que nem a mais manipulada das informações atinge, a discussão das mães progride em situações à beira do absurdo.
Discute-se se deve ser abraçada a causa dos grevistas de fome, se o papel-fetiche da mãe-madona deve interferir, se o instinto deve gritar mais alto, para que a greve de fome seja interrompida nos casos de coma, ou se os grevistas devem continuar o jejum mesmo estando inconscientes, até morrer "em paz".
Uma vem com a densidade dramática de Shakespeare, a outra é estimulante como em Brecht.
As duas, lado a lado e pouco a pouco, pela mesma causa. Para o espectador, a indução à causa irlandesa é a garantia de copiosas lágrimas.

Filme: Mães em Luta
Produção: Irlanda, 1995
Direção: Terry George
Com: Fionnula Flanagan, Helen Mirren, Aidan Gillen
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes - sala Aleijadinho e Calcenter 1

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