São Paulo, sábado, 7 de junho de 1997
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Perdas definitivas

VICENTE CASCIONE

Há 20 anos o PT iniciava sua trajetória em direção ao poder. Tudo bem. Para isso são feitos os partidos, não obstante as juras e os perjúrios de seus programas e compromissos estatutários.
O PT, em seu noviciado, não tinha como tornar-se, prematuramente, governo, mas desde logo aparentava ser um excelente produto das oposições destiladas. Monges trapistas da ordem monástica do PT, livres do pecado, transitavam pelo "bas-fond" da política, credenciados para atirar pedras nos pecadores alheios.
Mas o novo partido não era uma concepção do Espírito Santo. No sopro de sua criação havia o hálito da fragilidade humana.
Em um país em que a corrupção integra a cultura nacional, no qual a política, como todas as outras atividades, é exercida pela farinha humana extraída do mesmo saco, por que o PT seria composto apenas por criaturas capazes de estar acima do bem e do mal?
O PT nasceu, como todos os partidos, com o estigma inevitável do pecado original. Portanto, faltas veniais e mortais viriam com o tempo e seriam suficientes para condenar a instituição ao quinto dos infernos em que os outros partidos, há mais tempo e com especial merecimento, choram e rangem os dentes, castigados pelos "demônios" da unanimidade nacional.
O PT tinha a imagem mística da santificação política. Isso não existe. Enquanto sua ação limitava-se ao discurso crítico esterilizado, não havia o contágio. Mas, no exercício do poder, o partido põe as mãos na massa da realidade infectada. E se contamina.
O cristal do PT -cuja essência é a própria utopia da perfeição humana- tem átomos íntegros da argila de que são feitos os homens de pés de barro. Por isso a imagem virtual se desmancha, o barro se rompe, e o cristal trinca, irremediavelmente.
Existem excelentes individualidades no PT e em todas as siglas partidárias (como regra, siglas apenas). Mas, no cenário dos espelhos partidos em que se projetam as imagens das instituições políticas, as perdas são definitivas. Não há restauração possível. Nada será como antes.
A opinião pública já não tem estoques de boas intenções para refazer seus julgamentos condenatórios apriorísticos e seus prejulgamentos. Todos os estragos são irremediáveis nos tempos atuais e, por inércia, na projeção futura. O que não se remedia ao longo de uma geração dá-lhe a noção de que não há remédio.
O próximo tempo não se fará com remendos, mas com um novo gesto de criação. É preciso haver um Deus disposto a repeti-lo.

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