São Paulo, domingo, 8 de junho de 1997
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A sustentabilidade não garantida

LUCIANO COUTINHO

A bem-sucedida operação de lançamento dos novos "global bonds" brasileiros, em troca dos velhos títulos "Brady", reacendeu nos mercados uma perspectiva otimista a respeito do financiamento externo. As autoridades governamentais reiteram que o nosso crescente déficit em transações correntes -já superior a 4% do PIB- será revertido e, portanto, não há razão para desconfiar da sustentabilidade a médio prazo do seu financiamento.
Os formuladores do governo depositam no atual ciclo de investimentos domésticos e principalmente estrangeiros a expectativa de que esses deflagrem um processo "virtuoso" de reestruturação industrial com as seguintes características: 1) aumente a formação de capital fixo para um novo patamar, capaz de sustentar um novo ciclo de desenvolvimento; 2) produza ganhos de produtividade significativos e persistentes, suficientes para neutralizar a apreciação da taxa de câmbio e estimular uma vigorosa reação das exportações; e 3) reverta a incisiva expansão dos coeficientes de penetração das importações, induzindo movimentos de adensamentos das cadeias industriais recém-esvaziadas. É indispensável, pois, verificar se existem evidências de que esse tipo de reestruturação "virtuosa" estaria em curso.
O sucesso do programa de estabilização representou uma significativa ampliação da escala do consumo nacional, tanto de bens duráveis quanto de bens não-duráveis. Esta elevação -notável e intensa- provocou uma onda de decisões de investimento recentemente avaliada por estudo da CNI/Cepal, por levantamentos efetuados pelo MICT e por outros em andamento no Instituto de Economia da Unicamp.
Estes identificaram uma expressiva concentração dos projetos nos complexos produtores de insumos e "commodities" de grande escala produtiva e baixo valor agregado, notadamente nos setores de metalurgia, química básica, agribusiness, papel e celulose. Em seguida se destacam o complexo automotriz, incentivado por um regime especial de proteção, e o setor têxtil, também beneficiado por proteção específica. Finalmente, aparecem os investimentos programados no setor de equipamentos e aparelhos de comunicação.
As características já identificadas do atual ciclo de inversões permitem formular algumas considerações sobre a sua contribuição para o crescimento e para a balança comercial nos próximos anos.
Em primeiro lugar se constata que o volume agregado da formação bruta de capital fixo cresceu modestamente, apesar da significativa ampliação da escala do consumo nacional, como se pode observar na tabela. Pode-se argumentar que, provavelmente, os novos investimentos são menos intensivos em capital e mais eficientes do ponto de vista organizacional e tecnológico. Mas, por outro lado, é também provável que gerem empreendimentos que operarão com coeficientes mais elevados de insumos e componentes importados (portanto, com nível significativamente mais baixo de agregação de valor no país).
Os efeitos sobre a geração interna de demanda por bens intermediários e sobre a criação de empregos tenderão, portanto, a ser bastante moderados. Além disso, os estudos constataram que a grande maioria dos novos projetos tem como alvo predominante o mercado interno, o que não permite projeções otimistas com relação ao seu componente exportador.
A concentração das inversões nos setores de "commodities" com as características já mencionadas tende -certamente- a aumentar a capacidade de oferta de "tradeables", mas isso apenas reitera a "velha" especialização competitiva da economia em produtos de baixo dinamismo no comércio internacional.
Nos setores de maior valor agregado e grau de sofisticação (que concentram os investimentos estrangeiros), as inversões não se orientam prioritariamente para os mercados externos. Além disso, o componente importado parece ser crescente, particularmente no caso dos bens de consumo duráveis. O volume agregado da formação de capital fixo cresceu, porém ainda é setorialmente heterogêneo e aparentemente insuficiente para mover um processo sustentado de crescimento econômico com equilíbrio externo.
O desempenho medíocre dos investimentos é um fator de moderação da demanda privada para captação de novos recursos e créditos no exterior. Há, além disso, uma crescente sensibilidade do setor empresarial vis-à-vis o risco cambial. Nesse contexto, o vitorioso ingresso do Banco Central no mercado internacional, em nome do Tesouro Nacional, representaria o início de uma crescente participação direta do setor público (inclusive BNDES, Petrobrás et alli) no financiamento externo? Considerando as características "não-virtuosas" do atual padrão de investimentos, será esse um fato a ser comemorado?

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