São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Máfia 'lavava' dinheiro na Bolsa do Rio

LUCAS FIGUEIREDO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A máfia italiana está utilizando o Bolsa de Valores do Rio para "lavar" dinheiro "sujo" de negócios relacionados à corrupção e ao tráfico internacional de drogas.
O esquema conta com a colaboração de operadores da Bolsa.
O fato foi descoberto pelas polícias do Brasil e da Itália nas investigações que apuram a ligação do empresário alagoano Paulo César Farias com a máfia. Já existem provas da existência do esquema, segundo apurou a Folha.
A PF e a Justiça italiana mapearam todos as etapas da "lavagem" de dinheiro feita na Bolsa do Rio pelo mafioso Domenico Verde, 56, preso na semana passada em Maceió (Alagoas).
Até agora, os investigadores do esquema identificaram operações de Verde na Bolsa do Rio -concluídas ou ainda em andamento- no valor de US$ 1 milhão. Suspeita-se que o montante seja muito mais alto.
Identificado pela Interpol (polícia internacional) italiana, em documento obtido pela Folha, como "associado à Camorra" -máfia da região de Nápoles, sul da Itália-, Verde é apontado nas investigações como parceiro de PC Farias em operações de reciclagem de dinheiro "sujo".
Nas apurações, descobriu-se também que o mafioso esteve com o ex-tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor de Mello em Bancoc, na Tailândia, no final de 1993, durante a fuga empreendida por PC, que era procurado pela Justiça brasileira.
"Arrependidos"
A informação sobre o encontro foi passada aos investigadores italianos e brasileiros por um criminoso "arrependido".
Os "arrependidos" ("pentiti", em italiano) são mafiosos presos que colaboram com a Justiça da Itália. Eles delatam ex-colegas em troca de diminuição da pena ou perdão.
Os dois ficaram sozinhos em Bancoc pelo menos durante três dias, até a chegada da mulher de Paulo César, Elma Farias, morta em 1994. No dia 29 daquele mês, PC foi preso, ainda em Bancoc, pela Interpol.
Foragido da Justiça italiana, Verde vivia legalmente no Brasil desde 1993 -ele se naturalizou brasileiro.
A prisão e a extradição de Verde foi pedida pelo governo da Itália por "associação mafiosa" e fraudes em licitações da FS (a ferrovia estatal italiana) avaliadas em US$ 39 milhões.
A apuração do caso envolve uma megaoperação da qual fazem parte os governos e polícias dos dois países, a Interpol (polícia internacional) e a Justiça italiana.
Para lavar no Brasil o dinheiro "sujo" ganho na Itália, Verde utilizava um mecanismo do Conselho Monetário Nacional que permite que estrangeiros façam aplicações em ações negociadas nas Bolsas de Valores brasileiras. Esse mecanismo é conhecido com Anexo 4.
A "lavagem" do dinheiro de Verde era feita da seguinte forma:
1) o dinheiro "sujo" do mafioso era enviado legalmente da Itália para uma agência do banco Sudameris no Uruguai. De lá, era mandado para outra agência do mesmo banco no Brasil;
2) chegando ao Brasil, o dinheiro "sujo" era aplicado na Bolsa do Rio, utilizando o Anexo 4. A execução do plano era fácil, já que o Anexo 4 não exige a identificação da origem do dinheiro;
3) ao término da operação, a aplicação era resgatada, e o dinheiro saia "limpo" e com lucro.
Conclusão: antes da operação, o mafioso não tinha como apresentar uma origem legal para o dinheiro que havia ganho de forma ilícita.
Após a aplicação na Bolsa, isso mudava. Os recursos passavam a ter procedência legal: ganhos na Bolsa com o Anexo 4.
Depois de "limpo", o dinheiro podia ser enviado legalmente de volta à Itália ou ser utilizado no Brasil.
Parte desse dinheiro estava sendo utilizado por Verde na construção de uma mansão em Maceió, a cem metros da casa onde PC e sua namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos, em junho do ano passado.
Apoio
Nas investigações, descobriu-se que Verde contava com o apoio de operadores da Bolsa do Rio para "lavar" o dinheiro.
As polícias do Brasil e da Itália estão aprofundando o rastreamento, nos dois países, da rede de colaboradores do mafioso e a identificação da participação de cada um.
Preso na sede da PF em Maceió, Verde responderá processo para fins de extradição no STF (Supremo Tribunal Federal). Ele nega ter conhecido PC Farias e ter viajado para a Tailândia.
Ele reconhece que o dinheiro que usava vinha da Itália, mas se recusou a dizer quem fazia as remessas.
O fato de ele ter se naturalizado brasileiro não impede que o mafioso seja extraditado. Isso porque Verde nasceu na Itália e foi condenado por um tribunal daquele país.
Mas o fato de ele ter dois filhos nascidos no Brasil deve ser utilizado por seus advogados para impedir a extradição.

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