São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Simon diz que PFL assume o comando do governo FHC

RUI NOGUEIRA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O sempre inconformado senador Pedro Simon (PMDB-RS) está cada vez mais inconformado com o nível de intimidade do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso com o PFL.
Para o senador, FHC já deve tantos favores aos pefelistas que a tendência do seu governo é significar continuidade e não mudança. Na semana passada, as suas críticas irritaram o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), presidente do Congresso. Discursando no plenário do Senado, ACM chamou Simon de "invejoso".
Simon acha que o presidente se encantou com a unidade e o profissionalismo do PFL. Ele vê nesse profissionalismo a vontade histórica do PFL de estar sempre no governo. A visão de Simon sobre o governo FHC está nesta entrevista dada à Folha na última quinta.
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Folha - Por que o sr. está tão incomodado com a intimidade entre o presidente Fernando Henrique e o PFL, em particular o senador Antonio Carlos Magalhães e o filho dele, o deputado Luís Eduardo?
Pedro Simon - A minha geração sofreu com o Estado Novo, teve ali no meio o governo do JK, depois veio aquela loucura do Jânio, o Jango, que não queriam que ele assumisse, a história do parlamentarismo, os governos militares, Collor foi aquela estupidez e Itamar foi uma transição.
Quando vi FHC, com aquele preparo e competência, os nomes que ele conhecia, suas amizades, pensei que seria a consagração da nossa geração. Pensei: vamos terminar o século de bem com a vida. Não estou pedindo maluquices, guerra com americanos, tudo dentro do bom senso, com sentimento social. Mas aí ACM e companhia pegaram ele do colo da gente e levaram. A troco de quê? Essas pessoas marcam o governo. Não vai ter mudança, vai ter continuidade.
Folha - O que FHC deveria fazer de diferente e não faz por conta dessa aproximação com o PFL?
Simon - - São atos concretos. O Proer (programa de recuperação dos bancos falidos) não é um programa de PSDB, é um programa de PFL. O Proer é um troço fantástico e foi decidido por medida provisória. A privatização da Vale do Rio Doce, da maneira que foi feita, é uma questão de PFL, não de PSDB. O próprio Comunidade Solidária virou uma espécie de LBA distribuindo cestas com as prefeituras. Falta um plano social. Reforma agrária e pequena produção não são prioridades. No lugar das realizações, as respostas de sempre: nunca se distribuiu tanta terra como no meu governo. O que todos os generais disseram, Sarney disse. Folha - O sr. já conversou com o presidente sobre essas angústias?
Simon -Depois da CPI do Collor veio a CPI do Orçamento. As duas reuniram pastas e mais pastas de fatos provados de corrupção, aquela história de empreiteiras. Na CPI do Orçamento queríamos pegar os corruptores, mas não tínhamos prazo. Decidimos que, se fôssemos para os corruptores, iam dizer que fomos covardes e não tivemos coragem de pegar os parlamentares. Pensei: se pegarmos os parlamentares, vamos ter autoridade, e aí fazemos a CPI dos Corruptores. Fui a FHC, mas ele me disse para parar de falar em corrupção, que agora tínhamos de trabalhar, fazer as reformas, que a CPI só ia atrasar. Agora, olha o que acontece: o PSDB retira assinaturas do pedido de abertura da CPI do mercado de voto.
Folha - O presidente pode achar que sem o apoio do PFL fica difícil governar. Muita gente acredita que, se o ex-presidente Collor tivesse composto com o Congresso, teria escapado do impeachment.
Simon - Imagine o presidente reunido com o PMDB. Na verdade, não pode fazer uma reunião só, é uma com o Paes de Andrade, outra com o Britto (governador do Rio Grande do Sul), outra com os deputados e o Michel Temer. No PSDB é a mesma confusão: o Pimenta é o Pimenta (da Veiga), o Euclides Scalco é um baita cara, mas um purista de linha reta, o Covas é nota mil, mas é inflexível, de difícil convívio, ranzinza.
No PFL o presidente senta e estica as pernas, é até capaz de tirar os sapatos, servem um uisquezinho. E pensa: aqui é gente civilizada. Ele transforma isso em segurança. Não vê que, além das questiúnculas, o PSDB é um baita partido, com idéias. O PMDB tem muita gente boa, no PT idem. O mundo está sofrendo uma metamorfose e, como já disse o Delfim Netto, a esta altura, com as vitórias dos trabalhistas na Inglaterra e dos socialistas na França, FHC deve estar relendo o que escreveu e não quer mais que esqueçam tudo.
Folha - O sr. acha que FHC poderia desempenhar um papel de significado maior na sociedade?
Simon -O mundo tem falta de grandes lideranças. O coitado do presidente americano (Bill Clinton) pode ter de mostrar os documentos sexuais, um ridículo atroz. O John Major (Reino Unido) durou um pedaço de tempo. Na França, o presidente (Chirac) pensou que vinha com toda a força, antecipou as eleições e saiu desmoralizado. O coitado do Boris Ieltsin é álcool de um lado e coração do outro. Então, FHC teria condições de desempenhar um grande papel.
Folha - Que erros ele comete no cenário externo?
Simon -FHC foi ao Chile (cúpula dos países ibero-americanos, ano passado) para bater no coitado do Fidel Castro. FHC roubou o lugar do Menem (presidente argentino), um aliado incondicional dos EUA. Com o alinhamento de FHC, conta a piada que Menem, na sua hora de falar, disse que entre Fidel e Pinochet (ditador chileno), Pinochet foi mil vezes melhor. Pô, o Fernando Henrique não tinha deixado nada para o Menem.
Folha - O sr. dá a entender que o FHC ministro da Fazenda do governo Itamar mudou muito depois que virou presidente e mudou mais ainda com o apoio do PFL.
Simon -Uma vez estávamos numa reunião no Planalto, e o Andrezinho (André Franco Montoro), presidente do BNDES e da comissão de privatização, falou em privatizar a Vale do Rio Doce, disse que tinha estudos prontos. O Itamar até foi grosseiro. Virou-se e perguntou quem tinha encomendado tais estudos, com que autorização, por que ele estava fazendo aquilo? O Andrezinho quis se defender, argumentar, mas o FHC (ministro da Fazenda) pediu que ele se calasse e lembrou que o presidente Itamar já tinha dito que não se falava em privatizar a Vale. Do jeito que ele atalhou o Andrezinho, para mim aquela era a posição dele (FHC).
Folha - Por que Itamar não queria vender a Vale, mas privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional?
Simon -As empresas de aço estavam sendo privatizadas no mundo todo, não é mais monopólio, todo mundo fabrica. Mas a Vale é uma questão de subsolo, aquela riqueza é estratégica. E agora o vencedor do leilão (Benjamim Steinbruch) já admite retalhar a Vale.
Folha - Por que o sr. acha que FHC preferiu fazer aliança com o PFL para disputar a Presidência?
Simon -FHC argumentou que não queria que sua candidatura passasse por aquilo que passou a candidatura do Covas, quatro anos atrás (90), que ficou sem estrutura, o PSDB brigou. Ele disse que precisava da estrutura do PFL, principalmente no Norte e Nordeste, do tempo do PFL na TV. Achei que seria melhor um acordo geral do que a aliança com o PFL.
Folha - O sr. acha que essa aliança seguida da aprovação da reeleição, com ajuda de Luís Eduardo na Câmara e do ACM no Senado, deixa o presidente nas mãos do PFL?
Simon -A cada dia que passa, o PFL vem assumindo o comando do governo e o PSDB vem se esvaziando. FHC vai se identificar não apenas com o pai e o filho. Tem o Marco Maciel, de quem eu gosto muito, uma figura da maior dignidade, mas é PFL. Tem Bornhausen, que preside o partido, e tem o líder na Câmara (Inocêncio Oliveira). Esses cinco são profissionais, podem ter suas divergências, mas se entendem sem falar. As divergências internas dentro de PSDB, PMDB e até PT são diferentes. Já o PFL é um estado de espírito, gente que vem de longe.
O PFL começou lá com o ACM, rapazinho recém-eleito que foi se encontrar com JK no Palácio do Catete. Conseguiu a audiência, demorou umas duas horas -qualquer outro já teria ido embora, mas ele espera e termina conversando com o JK. Sai de lá com um cartão e o número do telefone íntimo, coisa que pouca gente conseguia. ACM é um homem de circunstâncias, de momentos, todos ao lado do governo. Mas o PFL não tem um líder popular para concorrer à Presidência. Se não fosse com o FHC, com quem iriam?

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