São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997
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Depositando é que a gente se entende

GUSTAVO IOSCHPE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não sei se é só porque crescemos um pouco rápido demais e não estávamos de todo preparados para as crueldades que esse mundo nos apresenta ou se é o mundo que anda mudando mesmo, mas o óbvio é que estamos perplexos. Nesta minha chegada ao Brasil, o papo da roda de amigo gira em torno das GM's.
Nada a ver com automóveis. GM's são as gurias materialistas, que parecem estar proliferando mais do que político corrupto. Eu tento argumentar que é uma coisa da idade, que as mulheres crescem e passam a querer mesmo alguém que lhes dê segurança -e um pouco de caviar também, que ninguém é de ferro.
Mostro que nos Estados Unidos esse movimento da materialização dos relacionamentos já é um fato mais que consumado: quem não usa a grife certa, o perfume da moda e o carro do ano não pega nem resfriado.
As mulheres viraram consumidoras exigentes: além das funções standard de bom pai e amante, exigem do futuro marido (e nesses dias de vacas magras todo "ficante" é um marido em potencial) certificado de garantia: uma bela conta bancária. E os homens que continuam fiéis à tradição de querer das mulheres tão somente sexo fácil e sem compromisso estão ficando defasados ante o ritmo de mudança feminina.
Também faço notar que esse materialismo exagerado é o caso só de uma minoria das mulheres; -ainda há muita gente escrevendo poemas de amor e se derramando em cartas melosas. E sem pedir notas promissórias!
Mas meus amigos não se abalam com as argumentações: assim não dá, as mulheres só pensam naquilo (e em dólar).
Alguns dias de noite no Brasil já serviram para eu observar o novo panorama. Antes, bastava alguma gracinha ou um verso babado no ouvido da moça, e começava o em-cima-embaixo-e-puxa-e-vai. Hoje, a coisa tá muito mais complicada. Já é possível até criar uma tipologia das GM's.
Existem as Marias-Fianceiras, que querem mesmo é papel-moeda. Nessa categoria, estão a Maria-Dólar (só aceita conta no exterior) e a Maria-Junk Bond (só gosta de homem que corre riscos).
Há também as Marias-Utensílios, que se preocupam com símbolos visíveis. Estão nessa a Maria-Onze e Meia (depois de perguntar seu nome, pergunta que horas são e só continua o papo em casa de relógio suíço), a Maria-Sapato (só o de fivela, de preferência Gucci), a Maria-Gasolina (só vai pra tua casa se for levada de carro importado -e nada de japonês ou coreano "chinfrim") e a Maria-Celular (MC). Essas, aliás, dividem-se em outras subcategorias -que esse mercado é exigente. Há a MC-Palmtop (que só anda com quem tem aqueles aparelhinhos que cabem na palma da mão), a MC-Vibrador (o telefone do sujeito precisa ter aquele negócio de tremelicar ao ser chamado -diversas interpretações possíveis) e, finalmente, a MC-Público. Esta exige do candidato a Ivonaldo que use o celular em locais públicos (como teatros, cinema, restaurantes etc.) e aos berros, como prova de macheza.
Terminada essa listagem, ficou no nosso grupinho de machos acuados uma sensação de certo pesar. Estamos ainda na dúvida se é somente mais uma manobra das feministas ou se o fenômeno das GM's é genuíno. "De qualquer jeito, temos de apatifar", declarou um, sombrio. "Chamar na chincha", disse outro. Balancei a cabeça em apoio, mesmo sem saber muito o que isso quer dizer. Afinal, companheiro, já é quase uma situação de guerra. Aliás, de guerrilha. Muito cuidado na hora de pagar a janta ou o táxi: pode ser uma emboscada.

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