São Paulo, segunda-feira, 9 de junho de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Cineasta autopsia angústia da atração amorosa
INÁCIO ARAUJO
Opiniões à parte, é preciso reconhecer que Khouri é um diretor de cinema que entende de seu ofício e faz seus filmes tal como os quer. Não é tão simples, nem tão frequente. Do roteiro à fotografia, passando pela câmera (que opera pessoalmente) e pela montagem, trata-se de um diretor que controla o seu filme e sabe como fazê-lo. Deficiência ou não, dedicou-se ao longo de seus 25 filmes a basicamente uma só temática: a atração amorosa e suas decorrências. O que escreveu o crítico Rubem Biáfora a respeito de "Noite Vazia" (1964) serve para definir sua obra: "Expõe, analisa, disseca, faz uma autópsia da sempre renovada angústia da transação amorosa e do seu subsequente sentimento de frustração e mútua humilhação". O viés existencial vinculou Khouri desde sempre a duas influências: o sueco Ingmar Bergman e o italiano Michelangelo Antonioni. Khouri foi acusado de pastichar esses cineastas que realmente o influenciaram muito. Nesse setor, é possível que seus filmes mais interessantes sejam aqueles em que um viés de classe social aparece com mais força, casos de "O Palácio dos Anjos" (1970) -em que secretárias optam pela alta prostituição- ou "Noite Vazia", sua obra-prima, em que dois rapazes saem para uma noitada tormentosa com duas prostitutas de luxo. Não se pode subestimar a importância da série de filmes de terror produzida por Val Lewton para a RKO nos anos 40 e iniciada por "Sangue de Pantera" (42), de Jacques Tourneur. Lewton e Tourneur substituíram monstros pela capacidade de suscitar o horror pela sugestão. O medo passou a vir de dentro do espectador. Khouri explorou esse veio com êxito em filmes como "O Estranho Encontro" (1957) e "O Anjo da Noite" (1974) -neste, ainda uma vez, a presença de um personagem subalterno e negro faz referência a conflitos de classe de maneira muito incisiva. A partir dos anos 70, pode-se apontar uma relativa burocratização do cinema khouriano, com o retorno frequente a seus temas. Enquanto seus mestres, Bergman e Antonioni, seguiam caminhos distintos -o primeiro, determinado pela perda da fé, o segundo, por uma atenção mais ampla à realidade circundante-, Khouri patinou na relativa repetição. Por isso mesmo, "Forever" significou, em 1991, uma mudança saudável e inesperada. Junto com seu personagem-chave -Marcelo, supostamente seu alter ego-, Khouri empreende uma meditação sobre a morte, o não-ser. O fim das disputas cerradas sobre o que deve ser o cinema brasileiro acabou atribuindo a Khouri um lugar indiscutível de mestre. É uma posição confortável demais para um cineasta que sempre sustentou suas convicções contra as modas do momento. Talvez seja agora o momento de rever seus filmes e perceber neles -sobretudo nos melhores- preocupações sociais que passaram despercebidas a seu tempo. Ou ainda de reabilitar trabalhos provocadores, como "As Amorosas", que em pleno 1968 propunha a prevalência do existencial sobre o político. Texto Anterior: Disputa autoral atrasa 'As Feras' Próximo Texto: "O Lago" ganha releitura radical Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |