São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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A imagem do imperador

ELIO GASPARI

O governo teve uma recaída na sua opção preferencial pela propaganda. Está armando uma ofensiva publicitária para coincidir com o terceiro aniversário do Plano Real. Destina-se a reverter a queda da popularidade de FFHH. É a síndrome de Luís 14, aquele imenso rei da França, com vasta peruca e pernas de corista do início do século. Pois ele usava enorme cabeleira e saltos nos sapatos para disfarçar seu tamanho. O "rei Sol" tinha 1,60 m, dois dedos a mais que Napoleão.
O Planalto não tem problema de imagem, mas de personalidade. É por isso que, a cada crise provocada pelo sistema de política patronal do PFL, FFHH entrega mais um pedaço do governo exatamente ao PFL. Haveria um novo Brasil à vista, e o preço desse sonho seria a consolidação da aliança com o PFL. Mas resta uma surrada pergunta: se o PFL (ex-PDS, ex-Arena) tem algo a ver com o futuro, onde é que foi parar o passado? A crise de personalidade do governo deriva de um certo encanto pelo novo, associado a uma irreprimível necessidade de preservar o antigo que lhe convém.
Mas, admitindo que o problema seja de imagem (o que não é), bem que os marqueteiros de FFHH poderiam dar uma olhada nos recortes de jornais da visita do imperador Akihito ao Brasil. O monarca dos japoneses desceu numa plantação de arroz em São José dos Pinhais, perto de Curitiba. Lá, visitou a casa do agricultor Hiroshi Atsumi, com 86 anos de vida e 37 de Brasil. Na cultura japonesa, o imperador simboliza o povo, e, por mais tolices que tenham sido ditas a respeito da possibilidade de Akihito trazer investimentos ao Brasil, o principal objetivo de sua visita foi ver a parte de seu povo que vive na terra das palmeiras. (A influência de Akihito para trazer investimentos ao Brasil é a mesma que ele tem para trazer marcianos.)
FFHH já correu boa parte do Brasil, esteve na Europa, França e Bahia, mas nunca entrou na casa de um agricultor. Quando foi longe, deu uma aula numa escola maquiada para recebê-lo, que hoje vive no mesmo abandono de antes.
Pode-se argumentar que, se o presidente da República visitar uma choupana, será chamado de demagogo? Será? Será que visitar uma choupana é menos recomendável do que organizar banquetes com musse de tapioca no cenário imperial de Petrópolis? Uma coisa é certa: ninguém é capaz de chamar o imperador do Japão de demagogo, muito menos de associar a suprema elegância de sua mulher a um populismo de alta costura.
O presidente cultiva um outro tipo de personalidade, uma espécie de imperialismo republicano. Adora dar aulas, mas visita mais universidades no além-mar. Tolera as manifestações de rua porque lhe dão oportunidade para repreender os manifestantes. Enaltece o Congresso quando lhe dá o direito à reeleição (com pelo menos dois votos a R$ 200 mil), mas condena a "politicalha" quando seus projetos não andam. (Na área da regulamentação dos planos de saúde, seu governo não foi capaz sequer de tocar o projeto que remeteu ao Congresso há mais de um ano determinando que as empresas de medicina privada reembolsem o erário quando a rede pública atende seus clientes.)
O FFHH imperial é um personagem confuso na política e comum na literatura latino-americana, repleta de tipos do gênero, em geral muito menos simpáticos. O que está encrencado na imagem presidencial é a projeção de uma figura acima dos partidos, acima do Congresso e, de certa forma, acima do povo. Uma figura tão acima das miudezas nacionais que entrou em órbita.

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