São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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A CPI dos precatórios e o mercado de títulos públicos

CARLOS BRANDÃO

Os fatos: o Senado Federal foi quem autorizou a emissão e a venda de títulos públicos para pagamento de dívidas dos Estados e dos municípios, determinados pela Justiça, por cartas precatórias, por ser de sua competência privativa, de acordo com a Constituição Federal (artigo 52, inciso 9º), fixar limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária daquelas unidades da Federação, para o que conta com o assessoramento técnico e operacional do Banco Central do Brasil, onde as solicitações da espécie são entregues para parecer e encaminhamento, para decisão, àquela casa legislativa.
Ausência de normas coercitivas e penais para o setor público: se os Estados e municípios utilizaram o produto da venda dos referidos títulos para pagamento de precatórios, ou se as dívidas da espécie realmente existiam, o julgamento das irregularidades que vierem a ser apuradas deverá ser político, em relação aos dirigentes públicos responsáveis, porque ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional a lei complementar disciplinando a dívida pública interna e externa (artigo 163, incisos 2º e 4º, da Constituição).
Nesse sentido, a Academia Internacional de Direito e Economia encaminhou projeto à Presidência da República e ao Senado Federal, do qual consta um capítulo dedicado às normas coercitivas e penais. Legalmente, portanto, não existe legislação específica que permita a aplicação de penas aos dirigentes públicos que descumpriram as condições fixadas por resoluções do Senado para a dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Sanções só para os negócios no mercado financeiro: a descrita ausência de legislação coercitiva e penal para a dívida pública deve ter sido a razão de a CPI ter concentrado suas investigações no mercado financeiro, especificamente nos preços por que foram negociados aqueles títulos na sua colocação inicial -para o que não existe tabela de preços- e nas várias negociações de compra e venda entre instituições financeiras, as quais geraram lucros abusivos e corrupção, passíveis, nesses casos, de enquadramento na Lei do Colarinho Branco.
A rigidez das normas de mercado facilitou a corrupção: o que chama mais a atenção nas investigações em curso na CPI é o fato de elas não terem sido estendidas, até agora, ao conhecimento e à análise das normas em vigor que regulam a negociação de títulos públicos, as quais, pela sua rigidez, pelas restrições à liberdade de mercado, à prática à livre concorrência, levaram-no ao estreitamento e à cartelização, que são as causas maiores que facilitaram a montagem de esquemas de corrupção no lançamento e negociação, em mercado, dos títulos públicos das cartas precatórias.
Cartelização do mercado: primeiro, as referidas normas impedem a participação direta, desse mercado, do público investidor, porque nas liquidações de compra e venda de títulos públicos só são admitidos pagamentos com recursos das contas de depósitos, em reservas bancárias, no Banco Central -moeda escritural de pronta liquidez-, de uso e movimentação exclusivos dos bancos comerciais.
Em decorrência dessas normas, os recursos de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas não-bancárias, não têm poder liberatório para compra direta, em mercado, e concomitante entrega dos títulos públicos, sejam esses recursos representados por papel-moeda, depósitos em conta corrente ou cheques a compensar.
Segundo, essas mesmas normas, por incrível que pareça, vedam, expressamente, a possibilidade de liquidez, em mercado, antes dos vencimentos dos respectivos títulos públicos, quando o investidor for pessoa física ou jurídica não-financeira (a CPI deveria realizar uma pesquisa, por curiosidade, para apurar se encontra, no Brasil, pelo menos um cidadão que, nos últimos dez anos, tenha adquirido, diretamente no mercado e de forma voluntária, um título público).
Consequências das restrições ao livre mercado de títulos públicos no Brasil: 1º) O prazo médio da dívida interna mobiliária federal, em poder do mercado: seis meses e dez dias (muito curto). 2º) Total da dívida em poder do mercado, em 31 de dezembro de 96: R$ 176,2 bilhões, ou 22,74% do PIB, estimado em R$ 774,8 bilhões (dívida muito elevada, devido ao seu curto prazo). 3º) Giro médio diário de negociação dessa dívida entre instituições financeiras no Selic, em abril de 1997: R$ 277,7 bilhões (diários), ou mais do que o estoque dessa dívida nessa perigosa e indesejada ciranda financeira. 4º) Os títulos das dívidas públicas estaduais e municipais têm prazo médio maior do que o dos títulos federais, mas essa constatação é irrelevante, porque, não sendo bem aceitos pelas instituições financeiras, vêm sendo paulatinamente encampados pelo governo federal, por meio do seu programa de consolidação das dívidas estaduais.
Do total em circulação em 31 de dezembro de 96, no valor de R$ 51,7 bilhões, uma parcela está nos fundos de renda fixa, regulados pelo Banco Central, e outra, menor, encontra-se nas carteiras dos bancos oficiais estaduais -sendo financiados no overnight.
Conclui-se que os problemas de administração da dívida pública mobiliária interna são muito mais graves do que os levantados pela CPI dos Precatórios, que até agora só investigou o que está na pontinha desse iceberg.

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