São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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O medo inglês, o mestre Cony e a folha seca

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há três razões evidentes para explicar a boa exibição brasileira, pontilhada de momentos de excepcional beleza, na vitória de 1 a 0 sobre os ingleses, ontem, em Paris: 1) a ausência de carga emocional, já que os ingleses eram os campeões antecipados; 2) o melhor ajuste de todos os setores, fruto da sequência de jogos; 3) o atávico medo inglês diante da gloriosa camisa amarela.
No plano individual, o recuo de Dunga junto à área poupou-nos de seus passes errados na hora da armação. Com Flávio Conceição, ali, a margem de erro reduziu-se. Isso permitiu melhor aproveitamento dos laterais, o que também desafogou os jogadores de meio -Leonardo, Djalminha (que pena, a saída de Denílson), Romário e Ronaldo.
Fora disso, é pra inglês ver.
*
Mestre Cony, outro dia, na Ilustrada, testemunhou a floração da folha seca, aos pés de Didi. E deu o ano e as circunstâncias: foi num jogo do Fluminense, o timinho campeão de Zezé Moreira, contra os suíços do Grasshoppers, em pleno Maracanã, em 1951, embora os alfarrábios do futebol registrem esse momento mágico como sendo o gol da classificação brasileira para a Copa da Suécia, em 57, no mesmo Maracanã, mas contra o Peru. Relatam, até, a dissimulada (permita-me, mestre Nogueira) trajetória da bola, que se escondeu sob o espocar dos flashes atrás do gol inimigo.
Pois seria bom o mestre invocar seu primo pianista -aquele capaz de fazer trovejar e relampejar- porque estranhos sortilégios rondam esse natal.
Nestas minhas quase-memórias, lembro-me que, apesar de o Ano Santo ter sido o anterior, o advento (se desprezarmos a história oficial, escrita pelo talento maior dos cronistas cariocas) deu-se na mesma época, só que no Pacaembu, quando de uma excursão do campeão português, Benfica.
Numa tarde chuvosa de domingo, Cláudio Cristóvão Pinho, ponta-direita do Corinthians, mais conhecido como O Baixinho, ou O Gerente, pela sua capacidade organizacional em campo e também em homenagem ao slogan de Adhemar de Barros, um aprendiz de maracutaias nos tempos atuais, preparou-se para bater uma falta a uns dois metros da área, pela direita.
A gravidade rendeu-se à bola, que subiu e subiu, para, de súbito, descair, roçando o ângulo, roçando a trave, acariciando a rede, até deitar-se na grama, em orgasmo pleno.
Patético, o goleiraço português Costa Pereira recuava até esborrachar-se no pau da meta. Depois, explicava-se: "O pá! O esférico alçou-se como se fosse aos céus. De repente, caiu, às minhas costas, como uma folha seca". Eu vi e ouvi e dou fé, como o primo pianista do mestre Cony, que fazia trovejar e relampejar.
PS: Quanto ao fato de o timinho campeão de Zezé Moreira -por sinal, técnico da seleção- ter sido a base da seleção brasileira que nos vingou de 50 em 52, no Pan-Americano do Chile, uma retificação: a base foi a Lusa, com quatro titulares absolutos: Djalma Santos, Brandãozinho, Julinho (o maior jogador do torneio) e Pinga. O Flu teve um a menos: Castilho, Pinheiro e Didi.

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