São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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O FUNDÃO DA PREVIDÊNCIA

Há alguns meses, o governo federal vem sugerindo, diante das dificuldades enfrentadas na aprovação de emendas constitucionais, uma estratégia alternativa de reforma do Estado, sem propriamente abrir mão das reformas administrativa e previdenciária. Essa estratégia tem duas características básicas. Primeiro, busca linhas de menor resistência. O ideal, que muitos esperavam do governo, seria uma ofensiva contundente e rápida. Na prática, as resistências falaram mais alto. A outra característica é a atenção aos "ralos" nas próprias contas do governo. Isto é, um esforço de disciplina fiscal.
Essa trilha caracteriza-se por reformas limitadas, mas viáveis, que não resolvem conflitos políticos e corporativos fundamentais, mas ao menos disciplinam a contabilidade do setor público. Dívidas de bancos e governos estaduais, contas a receber, saldos do falido sistema de financiamento habitacional, rombos previdenciários, dívidas de estatais, é longa a lista de débitos públicos que pairavam como espectros sobre o país.
Nos últimos meses, o governo encaminhou mudanças na administração das finanças públicas que não dependem de emendas constitucionais. E, agora, no caso da reforma previdenciária, se a emenda é inevitável, parece prevalecer a tese de que aprovar menos, mas aprovar alguma coisa, é melhor do que nada.
Essa estratégia alternativa tem o mesmo objetivo das reformas: fomentar uma confiança mais duradoura na capacidade de ajuste das contas públicas brasileiras. Assim, o BNDES adianta recursos aos governos estaduais em troca de compromissos com a privatização futura de suas estatais. Os acordos com os Estados, cujas dívidas estão sendo "federalizadas", também incluem metas de acerto fiscal e privatização.
Essa estratégia de ajuste patrimonial no setor público poderá avançar a partir de agora por uma nova vertente. Seria criado um mecanismo financeiro para bancar a conta dos aposentados do setor público. Sem arranhar os direitos adquiridos, o governo reuniria ações, imóveis e outros ativos num fundo. O Tesouro garantiria recursos para o pagamento das aposentadorias, empréstimo garantido pela venda, ao longo do tempo, dos ativos desse fundo.
A idéia segue proposta do consultor Raul Velloso, e o senador Beni Veras (PSDB-CE) está incluindo em seu projeto de emenda constitucional a criação desse mecanismo inovador.
Trata-se de transformar a despesa com inativos num empréstimo. Isso reduz imediatamente o déficit público, pois o artifício contábil transforma o gasto em crédito a receber. É um modelo bastante semelhante ao que vem seguindo o governo do Estado de São Paulo, que criou a Companhia Paulista de Ativos (CPA).
Não há mágica, decerto. Por trás do truque na contabilidade há uma aposta na existência de ativos do governo federal que as próprias autoridades desconhecem. Aposta-se na promulgação de leis que evitem o uso do fundo para outros fins que não o abatimento de uma dívida de longo prazo com os aposentados. Aposta-se na administração qualificada e aberta ao setor privado desse Fundo de Reforma do Estado (FRE).
Não há garantia de que essas apostas vençam, como já se viu tantas vezes em outras oportunidades de reforma das contas públicas. Sem verdadeiras reformas previdenciária e administrativa, nada garante que o mecanismo para enfrentar a dívida velha não venha a ser engolido por novas dívidas, rombos e déficits.
Trata-se de avançar à medida do "possível", lema tantas vezes preconizado por FHC. O sucesso da fórmula, porém, será apenas contábil e transitório se, mais uma vez, o possível confundir-se com o mais fácil.

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