São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 1997
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Reformar: ainda é o compromisso

MOREIRA FRANCO

Há uma sorrateira manobra, perceptível pelos iniciados, sob o pretexto de livrar o governo da dependência de três quintos dos deputados. Dizem que o objetivo é escapar de pressões espúrias e configurar o governo como empreendedor, "obrista", comprometido não com a mudança do Brasil, mas com realizações visíveis, no mesmo padrão da nossa história republicana.
A surpresa fica por conta da ladainha de agentes políticos que, próximos do presidente da República, defendem o argumento da virada do governo para enfrentar a nova manifestação do voto que está chegando. Esse diapasão significa abandonar as reformas e fazer do concreto a alavanca da virada.
Ninguém mais hoje desconhece que estancar nesta altura do governo FHC os compromissos assumidos em praça pública e que o levaram a uma maioria avassaladora, incluída a manutenção de índices invejáveis de aprovação popular, atinge fundo o programa de estabilização monetária -o Plano Real.
É, na verdade, um impacto desagregador. Devasta por inteiro o vínculo popular que arrebanhou eleitores para a reforma do Estado, para o combate aos privilégios, sem a demagogia barata que, em época recente, conduziu o país ao caos.
Fugir do quórum, ou seja, fugir das votações do Congresso é abandonar o melhor da prática democrática, é jogar por terra o diferencial que a biografia do presidente e do seu governo agregam como novo nesse trânsito de nossa vida republicana.
Deixar de lado as reformas proclamadas, mudando o tom de sua essencialidade para a emergência de uma sociedade mais forte, é manter regalias construídas e constitucionalizadas nos 80, ao sabor de um amanhecer gratificante, após um longo interregno autoritário.
Não reformar o Estado é garantir benefícios para uma minoria, descartando o prestígio do servidor e, por consequência, prolongando a ineficiência desastrosa dos serviços públicos. E mais: é criar condições danosas, assim como o crescimento do endividamento, de 30,8% do PIB no início do Plano Real para 34,4% do PIB no ano passado, com previsão de 36,5% para 1997.
A repercussão atinge fundo o pulmão das sociedades modernas, as chamadas classes médias, que, com os juros altos, vêem reduzida a capacidade de investimento, resvalando tão gravoso malefício para o campo.
É preciso que se diga, ainda, que fugir do compromisso com as reformas é agredir também a sociedade, que, a este passo da caminhada, sabe bem o quanto é fundamental que sejam implementadas.
Com a reforma administrativa, como tenho assinalado reiteradas vezes, vai melhorar a prestação dos serviços públicos, e o grau de reação que tem gerado mostra bem, muito bem, que o corporativismo está sendo alcançado em favor da grande maioria dos servidores. E, o que é importante, em consonância com as aspirações da sociedade inteira, que não aguenta mais a ineficiência do Estado, despreparado para ser o verdadeiro eixo da transformação da qualidade dos serviços prestados e da própria qualidade de vida, particularmente para as classes que vivem de rendimentos fixos ou salários.
Ou se reforma o Estado ou o domínio dos escândalos vai persistir -aí, sim, malferindo a própria alma do governo, que se elegeu coberto das esperanças no símbolo da mão espalmada, gesto de afeto e de grandeza que não pode ser, agora, escamoteado à sorrelfa do eleitor confiante que na urna elegeu o presidente Fernando Henrique.
Se as reformas não passam, as regras que consagram regalias e privilégios não serão modificadas. A experiência dos últimos anos já demonstrou que não adianta nada denunciar os aquinhoados. Pelo mundo afora estamos vendo que a sociedade não quer manter esse tipo de Estado. É caro, injusto, aético, caloteiro e ineficaz.
O seu tamanho paquidérmico, desordenado e molenga é o ambiente propício para o desperdício, para a destruição da confiança do cidadão e, o que é pior, para o descompasso com a liberdade criadora desse mesmo cidadão, abarrotado com o excesso de leis, regulamentos, atestados e papéis que infernizam a vida social e servem apenas para consolidar o mando da burocracia.
É por isso mesmo que a reforma administrativa, tal e qual posta no substitutivo que apresentei, não se reduz a uma racionalização dos gastos públicos, a uma profissionalização dos quadros funcionais e a ensejar serviços públicos da melhor qualidade.
A reforma proposta abre as portas para o desafio moral de restabelecer compromissos éticos nas práticas dos agentes públicos, criando regras claras e aplicáveis a todos, sem exceção.
Com esse cenário, evidentemente, querer que o governo torne-se empreendedor, inaugurador de obras, é trair os compromissos eleitorais, pois é abrir fissura no Plano Real, que foi e é a mais fecunda arma do governo contra a miséria da inflação, a falácia da correção monetária.
Austeridade com desenvolvimento é o emblema deste governo, conquistado nas urnas. E tal emblema não se mantém com o desprezo pelas reformas, estas, sim, a maior obra de um governo sério, que deseja ganhar a história pela diferença qualitativa e não pela comparação quantitativa.

Wellington Moreira Franco, 52, é deputado federal pelo PMDB do Rio de Janeiro e relator da emenda constitucional da reforma administrativa na Câmara dos Deputados. Foi prefeito de Niterói (1977-82) e governador do Rio de Janeiro (1987-91).
E-mail: moreira@persocom.com.br

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