São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 1997
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O novo papel do Cade

LUÍS NASSIF

Com suas últimas decisões -inclusive o acordo para tirar o nome Kolynos do mercado por quatro anos-, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) firma-se como a primeira agência nacional, dentro do novo modelo de controle do Estado, a dar início à definição de uma jurisprudência de atuação.
Doravante, esse será o modelo de regulação que virá substituir as velhas autarquias, que morreram de velha -como a Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), o Conselho Interministerial de Preços (CIP), o Inamps etc.
No velho modelo, criavam-se estruturas pesadas, incumbidas da fiscalização de determinadas áreas. Havia um enorme aparato burocrático que, na maioria das vezes, acabava permitindo o exercício de interesses privados no âmbito dessas autarquias.
O novo modelo atua em torno de valores, com estruturas enxutas, definindo regras de atuação nas empresas em um mercado basicamente desregulamentado.
Parte-se da convicção de que em ambiente de perfeita competição não há necessidade de regulação. O papel dessas agências, portanto, é assegurar a tal perfeita competição, inibindo concentrações de poder e acordos de cartelização.
Sem regra fixa
Dentro dessa linha, o livro "A Economia Política da Ação Antitruste", de Lúcia Helena Salgado, a ser lançado proximamente, é peça central para saber qual o entendimento da atual direção do Cade em relação ao tema abuso de poder econômico.
Característica central do novo modelo de agência é não se amarrar a regulamentos nem a leis definitivas. Assim como no modelo americano, é a partir da análise de casos, da publicidade das sentenças e das discussões sobre modelos industriais que o Cade vai montando uma jurisprudência -que, inclusive, pode mudar com o tempo, dependendo da evolução da economia e das convicções da opinião pública.
O trabalho lembra que, até os anos 60, a defesa da concorrência era um valor em si nos Estados Unidos. Pressionado pelo forte lobby dos agricultores e dos pequenos empresários, muitas vezes a regulamentação funcionava como impedimento à livre concorrência, numa atitude paternalista em relação às empresas menos eficientes.
Dos anos 70 para cá houve uma mudança de enfoque. O objetivo da regulação passa a ser o de permitir que os consumidores tenham acesso a produtos mais baratos e de melhor qualidade.
Todos os julgamentos passam a obedecer a esse prisma. Há circunstâncias em que se consegue mais competitividade impedindo a ação de cartéis. Há outras nas quais as concentrações e ganhos de escala são essenciais para se atingirem os objetivos propostos. Se o mais fraco é ineficiente, não se pode punir o consumidor a pretexto de defendê-lo.
Cenários diferentes
É evidente que, em uma economia como a americana, desde os anos 70 a conquista de market-share (fatias de mercado) passou a ser objetivo de toda empresa. Mesmo líderes de mercado preferem manter baixas margens de rentabilidade a sacrificar fatias de mercado, inclusive para não abrir espaço para novos competidores.
No Brasil, a estratégia de ampliar vendas com redução de margem ainda é recente. Portanto, a questão da concentração ainda está a merecer mais cuidados.
Por outro lado, a globalização obriga processos de fusão que permitam às empresas brasileiras ganhar escala internacional. E esse aspecto não pode ser ignorado pelos legisladores.
Todas essas implicações sobre o tema apenas reforçam a idéia de que os novos valores a nortear o Cade serão moldados no dia-a-dia, por meio da competência e criatividade das sentenças e da capacidade do órgão de ser assimilado pela opinião pública, para que seus valores se tornem nacionais.

Email: lnassif@uol.com.br

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