São Paulo, sábado, 14 de junho de 1997
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Temperatura e moral

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Ouvi a história e passo adiante. Numa fábrica de carros, estava sendo testado o modelo que deveria ser um estouro no mercado. Tudo perfeito, belíssima máquina, belíssimo desenho -era na Itália e tudo por lá costuma ser belíssimo. Havia somente um problema: o motor esquentava tão logo era ligado, o ponteiro da temperatura subia e atingia a linha do perigo.
Desmontaram o carro, revisaram o motor, mexeram em todas as peças, avaliaram todas as coordenadas. Novo teste. E novamente o ponteiro da temperatura subiu ao máximo. Novas revisões, reformas radicais, tudo foi tentado. O marcador da temperatura continuava subindo.
Chamaram um ancião, lendário pela sabedoria e pela técnica. Ele próprio testou o carro. Viu o ponteiro subir. Chamou um mecânico e mandou mudar a escala do mostrador. O ponteiro continuou no limite máximo, mas no novo mostrador ficava pela metade. Pronto. Estava resolvido o problema.
A moral da história é imoral. Ela pode servir para a atividade dita política. A sociedade está pasma diante da corrupção que diariamente explode em todos os lugares, em todos os níveis. Se houvesse um Jeová necessitado de promover um dilúvio, parece que não encontraria um justo entre nós.
Fica difícil procurar a falha de nossos mecanismos morais. Não adianta arrancar reformas no Congresso nem tentar começar tudo de novo. O remédio é mudar os critérios, mudar o mostrador da temperatura. Simples questão de escala.
Exemplo: qualquer roubalheira abaixo de US$ 1 bilhão deixa de ser roubalheira. Na seara particular, qualquer cidadão que tenha até 15 filhos fora do leito oficial será considerado esposo fiel.
Deixo a sugestão. Se alguém achar que vale alguma coisa e quiser me pagar por ela, aceito propina, desde que não ultrapasse US$ 999.999.999,99. Aceito também interessadas, desde que não sejam mais de 15.

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