São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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PSDB enfrenta agora a 'peemedebização'

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nove anos depois de sua criação e a um ano e quatro meses das eleições gerais, o PSDB sofre um "processo de peemedebização", como admitem o senador José Serra (SP) e o deputado Arthur Virgílio Neto (AM), secretário-geral do partido.
Desde 1995, com a posse do novo governo, o PSDB pulou de 63 para 97 deputados federais e de 11 para 14 senadores, segundo a última contagem oficial, que continua mudando rapidamente.
Esse inchaço é apontado pelos seus próprios fundadores como o principal erro do partido do presidente Fernando Henrique Cardoso, candidato à reeleição no próximo ano.
Além de atingir a mística original de partido puro, rigoroso em suas filiações, o inchaço gera uma disputa mais acirrada por espaços eleitorais em 98. Os parlamentares mais antigos sentem-se ameaçados.
Na semana passada, o PSDB perdeu a deputada Vanessa Felipe para o PFL. Ela tem 24 anos e é do Rio de Janeiro. Em contrapartida, o partido acolheu o ex-governador Nilo Coelho, da Bahia.
Em 1993, Coelho foi filmado ao atropelar um fotógrafo, propositalmente, à saída de um depoimento na Polícia Federal sobre desvio de verbas do governo baiano no seu mandato.
"O Nilo Coelho fez um grande favor ao PSDB: uniu o ministro Sérgio Motta (Comunicações) e o Pimenta da Veiga (ex-deputado). Os dois achavam que a filiação dele era inaceitável", disse o líder do governo no Congresso, senador José Roberto Arruda (DF). Depois, disse que, para ser exato, eles não haviam falado em "inaceitável". Apenas que não concordavam.
Tutor de chicote
Um dos fundadores e primeiro prefeito eleito pelo PSDB, Pimenta da Veiga assumiu mais tarde a presidência nacional do partido e renunciou a este cargo em abril de 1995, por divergências com Motta.
Pimenta defendia uma "porta entreaberta" para novas filiações, evitando políticos oportunistas e sem identidade com os ideais do partido. Também defendia uma parceria institucional com o PMDB.
Motta preferia a "porta escancarada" e uma política de implosão do PMDB a médio prazo. As teses do ministro prevaleceram.
Depois de dois anos de silêncio auto-imposto, Pimenta disse à Folha, semana passada, que está preocupado com o futuro do partido. Lembrando a amizade com Fernando Henrique e sem citar seu desafeto Motta, ele criticou: "O governo nomeou um tutor para o PSDB e com chicote na mão".
Na sua opinião, o partido "tem o dever de votar sempre com os projetos do governo". Entretanto, "precisa criar desconforto e constrangimento, para que suas teses é que se transformem em projetos oficiais". E defendeu o resgate das bandeiras originais da social-democracia brasileira: parlamentarismo, reforma agrária e combate à concentração de riquezas.
Nesta semana, um dos notáveis do PSDB, o deputado Franco Montoro (SP), promove uma reunião de deputados e senadores parlamentaristas, no hotel Bonaparte, de Brasília. Mas é uma reunião suprapartidária.
"Eunuco"
O secretário-geral do PSDB, deputado Arthur Virgílio Neto (AM), disse no início da semana passada que o partido iria acabar sendo o "eunuco do governo". Na sexta, amenizou: "Temos a ambição de dar o enfoque ideológico do governo FHC. Mas temos sido extremamente passivos nessa direção".
Em recente reunião de representantes da cúpula tucana com o presidente da República, Motta irritou-se com as reclamações e críticas. A certa altura bateu na mesa: "Se continuar assim, eu saio dessa merda". Parou alguns segundos e apontou para Fernando Henrique: "E você também, Fernando". Segundo um testemunho, fez-se um silêncio sepulcral.
Apesar do estilo, Sérgio Motta está numa fase mais cautelosa. Depois das acusações de compra de votos, passou uns dias na Europa. Chegou a Brasília na segunda passada e em seguida foi fazer uma "visita de cortesia" ao novo líder do governo na Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA).
Dois dias depois, Motta almoçou com os líderes tucanos num restaurante da cidade. Segundo um relato, "ele chegou humilde, com um documentozinho de militante para melhorar o partido". Depois do almoço, o discurso rebelde dos deputados e senadores mudou.
"Sérgio Motta é um fantástico ministro do PSDB, apaixonado pelo partido", disse o líder do governo no Congresso, senador José Roberto Arruda (DF).
"A ação dele parece excessiva, porque falta nos outros. Enquanto ele recebe 30 deputados por dia, os outros passam 30 dias sem receber nenhum", acusou.
Uma das queixas dos tucanos é que os ministros que se dizem do PSDB não demonstram qualquer compromisso com o partido e nunca se lembram da bancada para nada, só para votar projetos de interesse de suas pastas. Não convidam para viagens, nem para anúncios de obras e programas.
Citam Bresser Pereira (Administração), Antônio Kandir (Planejamento) e até Paulo Renato Souza (Educação). E comparam: Raimundo Britto (Minas e Energia) não dá um passo sem prestigiar seus correligionários do PFL.
Um parlamentar tucano conta que, numa viagem recente ao Rio Grande do Norte, o ministro Arlindo Porto (Agricultura) não só avisou previamente o senador Geraldo Mello (PSDB), como fez questão de levá-lo no jatinho oficial e incluí-lo nas solenidades. Porto nem é do PSDB. É do PTB.
Aumento artificial
O senador José Serra (SP), um dos fundadores do PSDB, junto com Fernando Henrique e Pimenta, por exemplo, concorda que o principal problema é o inchaço do partido -ou, como especificou, "a política absolutamente artificial de aumentar a bancada, especialmente na Câmara".
Mas ele aponta outros três problemas. Alguns dos melhores quadros foram recrutados para cargos executivos, inclusive estaduais, e se distanciaram da ação partidária; outros retiraram-se da vida política, como os fundadores José Richa e Euclides Scalco, do Paraná, e o próprio Pimenta.
O terceiro problema identificado por Serra é a dificuldade natural, "em qualquer parte do planeta", de manter a dinâmica do partido do governo, sem criar constrangimentos ao próprio governo.
Com praticamente todos os idealizadores e criadores do PSDB fora de ação, por um ou outro motivo, o segundo time entrou em campo. O presidente nacional é o senador Teotonio Vilela Filho (AL). Os líderes são Sérgio Machado, no Senado, e Aécio Neves, na Câmara.
"Os grandes líderes fazem falta. Mas nós estamos dando um duro danado para segurar o partido", defende-se Arruda, 43 anos, virtual candidato ao governo do DF no ano que vem. Segundo ele, o apelido do grupo é "os menudos".

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