São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Mulher é 'santa' de dia e prostituta à noite

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Dupla jornada pode ser cansativo, mas, no caso de algumas mulheres que trabalham ou estudam de dia e se prostituem à noite, pode também ser muito gratificante.
Dá para tirar mais do que o salário, sem obrigação de horário, escolhendo o cliente. Ninguém deve saber do negócio, para o convívio social não ficar comprometido.
"O pessoal de casa não tem idéia dessa parte da minha vida", diz a estudante de administração de empresas Mariana (os nomes citados são fictícios), 26, há nove meses fazendo programa.
Até setembro do ano passado, Mariana era vendedora de roupa em um shopping. "Ganhava R$ 1.500 no máximo", conta. "Isso dava só para pagar a faculdade e morar mal", lembra.
Salário de juiz
Ela diz que agora chega a ganhar o dobro. "Faço R$ 3.000 por mês, transando com quem eu quero, quando eu quero", calcula. "Com um pouco mais de empenho, ganho o que um juiz ganha. Eu sei porque tem um na minha família."
Mariana frequenta um cabaré disfarçado de pizzaria em São Paulo. Ela cobra R$ 300 por programa. "Quando tiver pago minha faculdade, o carro e um apartamento, saio dessa vida."
Aí, ela vai querer casar e ter uma família. "Ninguém precisa ficar sabendo do meu passado", diz.
Preocupações com o passado não fazem a estagiária em publicidade Adriana, 22, perder o sono.
"Acho que os homens têm até mais tesão quando sabem que a gente faz programa", diz. "Muitos querem nos tirar dessa vida."
Loura à noite
Adriana mora com a mãe e a irmã gêmea num apartamento de quatro quartos em Moema (zona sudoeste de SP). O estágio é com o pai, na agência onde ele trabalha.
"Se meus pais sabem que essa da reportagem sou eu, eles caem um para cada lado", diz Adriana, que é morena de dia e loura à noite.
"Mesmo que alguém conhecido me veja no 'ponto', dificilmente vai desconfiar. É muito improvável. Ali eu sou outra pessoa."
Ela conta que faz programa mais por prazer do que pelo dinheiro. "Já transei de graça muitas vezes."
Por isso, apesar de ter o contato dos cabarés frequentados por homens de classe média alta, ela prefere trabalhar na rua.
"Gosto de fazer 'ponto', usar meia arrastão, mostrar o peito, a bunda, ouvir desaforo", diz Adriana, que vai para a rua cerca de três vezes por semana e cobra R$ 50 por programa.
Cobrar apenas R$ 50 por programa e trabalhar na rua está completamente fora de cogitação para a secretária executiva Cecília, 32.
"Acho melhor ter três ou quatro amantes fixos, que me dêem bons presentes e alguma ajuda financeira, do que correr o risco de me queimar por aí", afirma.
"Amantes" Cecília diz que prefere chamar os clientes de "amantes", porque não se considera uma prostituta "como as outras".
"Você já viu a quantidade de mulheres que namoram homens casados e ganham carro, apartamento, tudo, deles. Alguém chama essas mulheres de putas (fora a mulher deles)? Pois é."
Cecília ganha bem como secretária (R$ 4.000), mas diz que, se fosse contar tudo que já ganhou dos amantes, daria muito mais.
"Só o apartamento em que eu moro vale RS$ 120 mil", diz ela.
Ninguém sabe dos amantes de Cecília. "Sinto que, no escritório, as pessoas tentam especular, mas o máximo que elas imaginam é que eu tenho 'alguém' (no singular)."
Tesão por dinheiro
Cecília diz que as coisas aconteceram naturalmente na vida dela. "Tudo começou com um amante que me bancava. Na verdade, nunca consegui gostar de homem pobre. Tenho tesão por dinheiro."
Outra que adora dinheiro e começou a se prostituir com um namorado é a estudante de pré-vestibular gaúcha Carolina, 21.
"Ele me trouxe para São Paulo, pagou o flat, me deu um carro, todas essas coisinhas básicas."
Quando os dois terminaram ("porque ele era casado e ficou dividido"), Carolina precisava de alguém para continuar a bancar o conforto dela. "Não foi difícil me enturmar nessa vida."
Hoje ela escolhe os parceiros, mas, diferentemente de Cecília, não estabelece vínculos de "amante". "Quero o dinheiro e sou profissional. Finjo orgasmo, não dou beijo na boca e nunca durmo com cliente."

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