São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Torrente amazonina

OSIRIS LOPES FILHO

Credibilidade é igual à virgindade. Quando acaba, acaba mesmo. Pode-se recauchutar o hímen perdido, por obra de um cirurgião habilidoso. Mas a virgindade já era. A nova maquiagem pode agradar ao incauto, que lhe dá importância. Mas é uma enganação.
A situação do presidente FHC é semelhante. O valor pureza, a moralidade que era apregoada pela facção do PMDB paulista, que se desgarrou e criou o tucanato, está em evidente deterioração.
O "strip-tease" da vestal do Executivo se anunciava de longe. Venda do patrimônio estatal a preço de banana, para forrar momentaneamente o caixa raso, e cativar os paleoliberais da sua corte interna e internacional. Depois, as reformas apregoadas como salvadoras revelaram a sua desimportância estratégica e a pobreza de formulação administrativa, tributária e previdenciária.
Mas o que se pretendia mesmo, intensa e definitivamente, era a perpetuação no poder. O passo e os movimentos iniciais da consagração já foram feitos. Passou a reforma constitucional da reeleição para os titulares do Executivo em todos os níveis.
Nos preparativos da cerimônia imperial do "Fico", se esse era o clamor da voz rouca ouvida das ruas, eis que surge o caudal amazonino a conspurcar a comemoração com a torrente de lama, iniciada no fronteiriço Acre, afundando amazoninamente o palanque da reeleição.
Não há tampão que contenha a podridão de uma aprovação da reeleição no Congresso, obtida pela compra de votos de parlamentares, que não se deixa apurar por CPI, para não comprometer corruptores, ministro de Estado e demais corrompidos.
É o "strip-tease". Mas não se desnuda nem beleza plástica ou sensualidade feminina. Mostram-se as entranhas feias de um governo que se revelou mais audaz que a ditadura militar, na sua ânsia de perpetuação. O desnudamento está a mostrar o vale-tudo desenfreado.
Não se restaura credibilidade ressuscitando velhas mazelas adormecidas do adversário. No mínimo vão se fortalecer os céticos da democracia, que terão a confirmação do que sempre pensaram, de que eles, os políticos, são todos iguais, na corrupção, aproveitamento das situações e traição das promessas. A baixaria impera. Tenta-se nivelar todos por baixo.
Mas a credibilidade do governo foi embora, na torrente amazonina.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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