São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Sociedade de escravos

"O desemprego invade hoje todos os níveis de todas as classes sociais, acarretando miséria, insegurança, sentimento de vergonha, em razão essencialmente dos descaminhos de uma sociedade que o considera uma exceção à regra geral estabelecida para sempre. Uma sociedade que pretende seguir seu caminho por uma via que não existe mais, em vez de procurar outras. (...)
Resulta daí a marginalização impiedosa e passiva do número imenso, e constantemente ampliado, de 'solicitantes de emprego' que, ironia, pelo próprio fato de se terem tornado tais, atingiram uma norma contemporânea; norma que não é admitida como tal nem mesmo pelos excluídos do trabalho, a tal ponto que estes são os primeiros a se considerar incompatíveis com uma sociedade da qual eles são os produtos mais naturais.
São levados a se considerar indignos dela e, sobretudo, responsáveis pela sua própria situação, que julgam degradante (já que degradada) e até censurável. Eles se acusam daquilo de que são vítimas. (...) Não se sabe se é cômico ou sinistro, por ocasião de uma perpétua, irremovível e crescente penúria de empregos, impor a cada um dos milhões de desempregados -e isso a cada dia útil de cada semana, de cada mês, de cada ano- a procura efetiva e permanente desse trabalho que não existe. Obrigá-lo a passar horas, durante dias, semanas, meses e, às vezes, anos se oferecendo todo dia, toda semana, todo mês, todo ano, em vão, barrado previamente pela estatísticas. (...)
É dessa maneira que se prepara uma sociedade de escravos, aos quais só a escravidão conferiria um estatuto. Mas para que se entulhar de escravos, se o trabalho deles é supérfluo? (...) Não é pouca coisa que toda uma população (no sentido apreciado pelos sociólogos) seja mansamente conduzida por uma sociedade lúcida e sofisticada até os extremos da vertigem e da fragilidade: até as fronteiras da morte e, às vezes, mais além. (...)"

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