São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Cavernas no deserto argentino

FERNANDO GODINHO
DE BUENOS AIRES

Os primeiros grupos humanos que ocuparam o deserto seco e gelado da Patagônia, no extremo sul da Argentina, chegaram na região há cerca de 13 mil anos.
A data foi estabelecida a partir do trabalho da arqueóloga argentina Laura Miotti em Pedra Museu, o principal sítio arqueológico do país.
Em dezembro do ano passado, as mostras de carvão vegetal (restos de fogueira) recolhidas pela equipe da professora da Universidade de La Plata foram analisadas nos EUA e datadas em 12.890 anos.
"Podemos pensar que o homem chegou à América Latina há 15 mil anos. Para todo o continente americano, pode-se calcular tranquilamente que a ocupação humana começou há 30 mil anos, a partir do Alasca", disse Miotti à Folha.
Sua estimativa é consequência da análise dos sítios arqueológicos já descobertos no continente e do comportamento do homem em uma região com enorme diversidade geográfica e climática.
Caçadores
"Eles eram caçadores nômades, que formavam grupos de até 30 pessoas, com grande capacidade de adaptação aos mais diferentes ambientes", diz.
Ao chegarem à América do Norte, vindos da Ásia, encontraram uma capa de gelo que cobria quase toda a metade superior do continente. O retrocesso glacial ocorrido há 30 mil anos permitiu um avanço em direção ao sul.
"Temos 13 mil anos confiáveis na Patagônia, e idades mais antigas em outras partes da América do Sul (como 14 mil anos na Colômbia). Além disso, esses grupos levavam diversas gerações para conquistar uma região e partir para uma nova migração", afirma.
"Sendo assim, é possível estimar que a colonização da América do Sul começou há cerca de 15 mil anos", conclui.
Tecnologia
Além das mostras de carvão vegetal coletadas pelos pesquisadores argentinos, Pedra Museu ganhou credibilidade com a descoberta de diversas pinturas rupestres e, principalmente, de duas pontas de lança feitas de pedra -encontradas na mesma área de escavação, a cerca de 50 metros de distância.
Os trabalhos em Pedra Museu começaram em 1990, após análises e levantamentos iniciais realizados desde 1988. Antes dos trabalhos de Laura Miotti na região, a única referência ao local havia sido feita em 1933, a partir de pesquisas do geólogo Joaquim Frenquelli e do arqueólogo Francisco de Aparício.
Miotti chegou pela primeira vez à Patagônia em 1985, com a única informação de que o sítio estava próximo à cidade de Pico Truncado. Ela e o marido, Humberto Sartori, levaram três anos para encontrar Pedra Museu.
Ali encontraram, por exemplo, um fragmento de ponta de lança feito de pedra talhada, com cor avermelhada.
Devido a sua forma, esse tipo de ponta é conhecido como "rabo-de-peixe" e demonstra um nível tecnológico avançado.
Comunicação e parentesco
A descoberta foi inédita para a região patagônica, embora objetos parecidos já tivessem sido encontrados no norte da Argentina, no Chile e no Equador -datados entre 9.500 e 11 mil anos.
Junto às pontas de lança foram achados ossos de animais datados em cerca de 10 mil anos.
Laura Miotti explica que a coincidência de materiais em outros pontos do continente mostra que "havia uma comunicação entre os grupos, uma troca de tecnologia".
Mas ela descarta qualquer relação de parentesco entre os primeiros habitantes da América do Sul. "Ocorreram vários pulsos de migração, e nada indica que esses grupos tinham qualquer grau de parentesco. Necessitamos de mais informação para chegar a essa conclusão", afirma.

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