São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Europa quer 'facilitar' a moeda única

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A AMSTERDÃ

Os líderes europeus preparam-se para "adoçar" a maneira de interpretar os critérios fixados no Tratado de Maastricht para o lançamento, em 1999, do euro, a moeda única dos 15 países da UE (União Européia).
É o que a edição européia do "The Wall Street Journal" chama de "fudge factor", sendo "fudge" o creme doce que se derrama sobre sorvetes ou outras sobremesas, em geral quente.
Em tese, o adoçante será formalmente proposto pelo primeiro-ministro francês, o socialista Lionel Jospin, durante a reunião de cúpula da UE que se inicia amanhã em Amsterdã (capital da Holanda).
É claro que a linguagem utilizada não terá a mesma ironia contida no "Wall Street Journal". Jospin pedirá uma "interpretação flexível" dos critérios de Maastricht.
"Que queremos uma interpretação mais flexível é certo, até porque seria absurdo excluir alguns países porque seus déficits estarão em 3,1% ou 3,5% do PIB quando do lançamento da moeda única", antecipa Claude Estier, um dos principais assessores do premiê francês.
Um dos principais critérios fixados em Maastricht diz que só poderão participar da moeda única países cujo déficit não exceda 3% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da riqueza de um país).
Se esse critério for seguido à risca, não haverá moeda única em 1999: segundo o "Panorama Econômico" divulgado quinta-feira pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne os 29 países supostamente mais industrializados do mundo), só o Reino Unido e a Espanha estarão dentro do limite este ano, entre os grandes países europeus.
As estatísticas de 1997 é que definirão quais países participarão ou não do euro logo no início da sua implantação.
Mas o Reino Unido já decidiu, por conta própria, não participar do euro, pelo menos em sua fase de lançamento.
Caindo, caindo
Nessas circunstâncias, só resta mesmo adoçar os critérios, utilizando uma brecha no Tratado de Maastricht.
O acordo admite a entrada de países cujo déficit esteja caindo e se aproximando do teto de 3% ou tenha sido estourado por "circunstâncias excepcionais".
A Alemanha (déficit de 3,2%, segundo a OCDE) pode alegar a "circunstância excepcional" de estar gastando muito dinheiro com a antiga Alemanha Oriental, o que, aliás, é verdade.
Adoçar o critério permitiria que a Itália participasse, como quer o novo governo francês. Afinal, é um dos países que mais consistentemente vem reduzindo o seu rombo orçamentário, a ponto de estar agora próximo do alemão.
O nome do problema
O problema para adotar a "interpretação flexível" chama-se Helmut Kohl, o chanceler (primeiro-ministro) alemão, que vendeu ao público interno, desde sempre, a idéia de que o euro seria tão sólido quanto o marco alemão.
Suavizar os critérios seria entendido, em especial em uma Alemanha ciosa do poder de sua moeda, como a porta aberta para um euro fraco.
Tanto é assim que pesquisa publicada no número mais recente da revista econômica "Focus" mostra que 82% dos alemães preferem adiar a moeda única se os países-membros não forem capazes de cumprir os critérios (não adocicados, obviamente).
Por isso, no domingo passado, Kohl insistiu, em discurso a industriais em Frankfurt: "Os critérios do Tratado de Maastricht não estão em discussão".
Não isso não é o que pensa um dos principais economistas franceses, Jean-Paul Fitoussi: "Por que o euro seria fraco se um país tivesse déficit de 3,2% e seria forte se o déficit desse país fosse 2,9%?".
É, claramente, o "fator fudge" apresentado abertamente.

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