São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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Americano quer patente de suas células

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DE NOVA YORK

Derrotado na Justiça, John Moore contesta 'apropriação indébita' de suas células por cientistas

Um cidadão norte-americano pretende aproveitar a polêmica sobre a clonagem humana nos Estados Unidos para fazer campanha contra a "pirataria genética" e retomar a batalha judicial que move contra a Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
"Há mais de 20 anos que luto, sem sucesso, contra a apropriação indébita de uma parte do meu corpo, e ninguém faz nada", afirmou John Moore, 52, à Folha, em entrevista por telefone.
Na década de 70, Moore sofria de uma doença rara chamada leucemia das células ciliadas. Quando ele procurou auxílio, os médicos descobriram que o seu baço produzia uma substância útil no combate ao câncer, que foi patenteada.
Foi o primeiro caso semelhante na história da pesquisa médica, mas os detentores da patente dizem que receberam autorização dele para isso.
Agora, Moore percorre o mundo fazendo conferências em que levanta a questão do direito dos seres humanos sobre suas próprias células. Leia a seguir trechos da entrevista:
*
Folha - Como toda essa confusão teve início?
John Moore - Eu estava doente, com um tipo raro de leucemia. Consultei vários médicos, inclusive a equipe que trabalhava na Universidade da Califórnia, recomendada por um amigo meu.
Confiei no diagnóstico dos médicos e me submeti ao tratamento contra a doença. Eles me operaram, tiraram meu baço, e eu superei a fase crítica da doença.
A confusão só começou depois que fiquei sabendo que eles patentearam as células extraídas do meu organismo, porque elas produziam, numa quantidade extraordinária, uma substância útil no tratamento contra o câncer.
Fiquei pasmo ao descobrir que o doutor David Golde, que me atendeu, patenteou minhas células, reproduzindo-as em laboratórios, como se fosse o dono delas.
Folha - O que é que significa, na prática, o médico ter patenteado suas células?
Moore - Quem patenteou foi a universidade, mas o dr. Golde fez um acerto com ela. Tanto o médico como a universidade lucraram com a venda das minhas células.
Um laboratório comprou o direito de usá-las, pesquisá-las, reproduzi-las... Na prática, isso significa que eles lucraram indevidamente com alguma coisa que era minha, parte do meu corpo.
Folha - Em nenhum momento o senhor concordou em vender à universidade ou ao médico o direito de explorar suas células?
Moore - Não. Eles nem me perguntaram ou levantaram essa possibilidade.
Folha - E se eles o tivessem procurado entrar em entendimento com o senhor?
Moore - Não dá para falar sobre algo que não aconteceu.
Folha - O sr. entrou na Justiça -o caso chegou até a Suprema Corte da Califórnia-, mas perdeu. A Justiça falhou?
Moore - O que é que você acha?
Folha - Não sei, estou apenas tentando entender a sua história...
Moore - E eu também. Não me conformo que eles tenham feito isso e que a Justiça não faça nada.
Folha - O sr. quer uma parte nos lucros?
Moore - Quero recuperar o direito à propriedade das minhas células. Não doei parte do meu organismo. Poderíamos ter conversado, pelo menos conversado.
Folha - Quanto que a universidade e o médico David Golde lucraram com a patente?
Moore - Uns bons milhares de dólares.
Folha - O sr. foi à Europa fazer campanha contra o que chama de pirataria genética. Pretende ser um símbolo dessa campanha?
Moore - Não teria nada contra ser identificado assim. Se nos Estados Unidos não deram atenção para o meu caso, quero que outros países saibam o que está acontecendo. O que quero é conseguir a reabertura do meu caso. Com a discussão sobre clonagem humana, ele pode ganhar uma nova repercussão.
Não foi isto o que aconteceu com a ovelha?
Folha - Mas o presidente Clinton deve mandar ao Congresso um projeto para proibir a clonagem humana...
Moore - É pouco, é pouco. Pelo que tenho acompanhado, o presidente não fará restrições às pesquisas genéticas, com genes humanos.
O presidente, como muitas pessoas nos Estados Unidos, acham que o importante é o fim, não os meios. É um pensamento que considero maquiavélico. Foi por isto que eu perdi na Justiça.
Eles alegam que usaram minhas células para buscar tratamentos contra o câncer, não para ganhar dinheiro. E eu perdi o poder sobre meu próprio corpo.
Mas tenho esperança de que, pouco a pouco, a opinião pública vai acabar percebendo o perigo que tudo isto representa, vai acordar dessa indiferença.
Eu ainda espero por justiça no meu caso.

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