São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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A agonia do latifúndio improdutivo

RAUL JUNGMANN

Embora muitos apontem como destaque principal da medida provisória nº 1.577/97 e do decreto nº 2.250/97, assinados pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, o fato de desestimularem a política de invasões de terras, podemos afirmar que esses atos de governo significam bem mais.
Foram, também, mais um golpe capaz de apressar a agonia do latifúndio improdutivo, que há séculos tantos e tantos males vem causando ao país. E são, também, a prova cabal de que há -e sempre houve-, da parte do governo, determinação e vontade política para fazer a reforma agrária.
É certo que, desestimulando as invasões, vamos alcançar, também, a diminuição da violência no campo, mas, com as mudanças introduzidas na Lei Agrária, temos agora não só melhores e mais efetivas condições de agilizar o Plano Nacional de Reforma Agrária -que é uma das prioridades governamentais anunciadas no plano Brasil em Ação- como também, e diria até principalmente, de acabar de uma vez por todas com a vergonhosa "indústria" das superavaliações e consequentes superindenizações.
Além disso, estamos dando um basta à farra dos juros compensatórios, que traziam ao erário prejuízos incalculáveis e beneficiavam aqueles cuja ganância coloca seus interesses pessoais acima de qualquer coisa, principalmente do bem público.
As medidas adotadas começam por facilitar sobremaneira o levantamento de dados e informações sobre as terras passíveis de desapropriação para aquele fim.
Antes, e no entender do Supremo Tribunal Federal, a comunicação deveria ser pessoal ao proprietário. Ora, muitos destes, talvez a maioria, residem fora da propriedade, alguns em outros Estados e até mesmo no exterior, o que tornava a comunicação sobre a vistoria não apenas difícil como, no mais das vezes, impossível.
Agora isso mudou, resultando em que teremos, doravante, uma agilidade e uma velocidade muito maiores na realização da reforma agrária.
Ainda nesse campo, as mudanças prevêem que "qualquer modificação quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação" não será considerada.
Com a lei anterior, isso não ocorria, do que se aproveitavam muitos para fracionar fraudulentamente (alienações simuladas) o imóvel, transformando-o de grande em média e até pequena propriedade, ou para a sem-vergonhice de "maquiar" a propriedade, mudando suas condições de uso para iludir o Judiciário. A partir de agora, o proprietário não poderá se valer desses expedientes escusos para questionar a desapropriação.
Outro aspecto previsto é o que diz respeito às "áreas sob processos de formação ou recuperação de pastagens ou culturas permanentes".
Agora, esses processos terão de ser "tecnicamente conduzidos e devidamente comprovados, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica". Ou seja, o processo terá de estar sob responsabilidade de um engenheiro agrônomo, que o registrará, detalhadamente, na entidade competente. Isso impedirá outro expediente, que é a alegação, por parte do proprietário, de projetos técnicos inexistentes.
Ao mudar por inteiro o artigo 12 da lei 8.629/93, a MP também muda as regras do jogo das desapropriações. A partir de agora, quem fizer a avaliação de uma propriedade a ser desapropriada será responsabilizado "civil, penal e administrativamente se houver uma superavaliação comprovada ou fraude na identificação das informações".
Além disso, o preço a ser pago pelo imóvel será o preço de mercado. Ou seja, o imóvel rural será avaliado como um todo, de "porteira fechada", como se diz, evitando que se calcule o preço da terra nua, mais as benfeitorias, mais cobertura florística, mais isso e mais aquilo.
A partir de agora, o mercado é que vai ditar o preço a ser real, do qual se desconta o valor das benfeitorias -que é pago em dinheiro- e se tem o valor a ser indenizado em TDAs.
No tocante à cobertura florística (florestas naturais, matas nativas etc.), que passa a integrar o preço total da terra, sem superar o de mercado, podemos citar um exemplo do absurdo que ocorria: por mais incrível que pareça, houve casos em que a cobertura florística chegou a ser paga até como benfeitoria...
Outro aspecto importantíssimo a ressaltar é a participação dos Estados no processo. É a descentralização da reforma agrária, pela qual vínhamos nos batendo há muito e que também trará maior agilidade ao programa.
Essas foram algumas das mudanças introduzidas na Lei Agrária. São de fato importantes, porém ainda mais importantes serão os avanços que elas propiciarão ao Programa Nacional de Reforma Agrária. E atendem a todas as reivindicações históricas da esquerda agrária e dos movimentos sociais.
Como já dissemos, foi mais um golpe contra o nefasto latifúndio improdutivo, assim como uma contribuição notável à paz no campo.

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