São Paulo, domingo, 15 de junho de 1997
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A Opaq e o fim das armas químicas

JOSÉ MAURÍCIO BUSTANI

Em maio último, fui eleito diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). A confiança que a comunidade internacional depositou num diplomata brasileiro, ao guindá-lo para função das mais delicadas no cenário internacional do pós-Guerra Fria, deve ser interpretada como o reconhecimento da contribuição que o Brasil tem prestado à consolidação de uma ordem mundial mais justa e mais pacífica.
É nessa perspectiva que aceitei minhas novas responsabilidades, ao mesmo tempo com sincero entusiasmo e profundo sentido de dever.
O que é a Opaq? É uma organização, com sede em Haia, Holanda, destinada a supervisionar a aplicação da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas, referendada hoje por quase uma centena de países, inclusive o Brasil, depois de aprovada pelo Congresso Nacional.
A convenção foi produto de anos de negociações no âmbito da Conferência de Desarmamento, em Genebra, tendo sido assinada em janeiro de 1993, em Paris. Ela é vista como um instrumento-modelo, ao proibir, pela primeira vez, toda uma categoria de armas de destruição em massa, de forma não-discriminatória, universal e verificável.
Para nós, no Brasil, o assunto talvez pareça um tanto esotérico. Ainda bem. Na Europa, contudo, a experiência da utilização de armas químicas durante a Primeira Guerra Mundial é lembrança que ainda está viva na memória de numerosas famílias.
O uso militar desse tipo de armas teria consequências aterrorizadoras, de que a recente liberação do gás sarin, no metrô de Tóquio, nos proporciona uma pequena, porém brutal, amostra. Durante os quase 50 anos de confrontação Leste-Oeste, ambas as superpotências de então acumularam dezenas de milhares de toneladas de armas químicas, capazes de provocar danos incalculáveis.
A Opaq tem dois enormes desafios pela frente. O primeiro é o de supervisionar a destruição dos arsenais de armas químicas existentes, tarefa que está prestes a começar nos EUA, para onde se está deslocando, no presente momento, um contingente de inspetores da organização.
O outro país possuidor declarado de armas químicas, a Rússia, ainda não ratificou a convenção, mas a expectativa é que o Parlamento russo dará seu aval até o fim do ano. Estou plenamente ciente de que a convenção não será universal -e, portanto, eficaz- enquanto não tivermos a Rússia conosco.
O outro desafio é assegurar, com o maior grau de segurança possível, que os países que não têm armas químicas não as fabriquem, o que será feito por meio de inspeções nas indústrias químicas que manipulem as substâncias consideradas mais perigosas.
A organização terá acesso a informações de alto grau de sigilo, de natureza comercial e tecnológica. Por essa razão estabeleceram-se regras estritas de confidencialidade, capazes de prover a necessária segurança à indústria química de que não haverá vazamento de segredos industriais.
O Brasil tem uma significativa contribuição a oferecer para a consecução dos objetivos da Opaq. Embora não possuamos nem nunca tenhamos pensado em possuir armas químicas, temos uma indústria química importante, talvez a oitava do mundo e com perspectivas de expandir-se.
Pude testemunhar, nas funções que desempenhei no Itamaraty antes de assumir a direção-geral da Opaq, os esforços feitos, no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em parceria com a indústria nacional, para dotar o Brasil dos mecanismos necessários à plena aplicação da convenção em território nacional.
Estou convencido de que o Brasil honrará sua tradição de cumprir os compromissos assumidos internacionalmente e será um exemplo para o restante da comunidade das nações.
O mundo continua um ambiente perigoso. No entanto, a convenção é motivo de esperança. Constitui, como assinalei em meu discurso de posse, "um divisor de águas na história dos tratados internacionais de desarmamento e controle de armamentos". Ao velar pela aplicação desse instrumento, espero modestamente contribuir para que esta e as futuras gerações se sintam um pouco mais seguras.

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