São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
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Desempenho do país é medíocre, diz Sachs

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

Para economista de Harvard, ataque à pobreza e crescimento não ocorrerão com o real sobrevalorizado

O Brasil vai continuar a registrar taxas de crescimento "modestas", entre 2% e 3% do PIB, nos próximos anos, condenando a população do país a mais pobreza e à deterioração de seu já inadequado padrão de vida por mais tempo do que seria necessário.
É o que diz o renomado economista norte-americano Jeffrey Sachs, da Universidade de Harvard. A avaliação tem como base os resultados obtidos pelo Brasil na pesquisa sobre competitividade e crescimento econômico realizada pelo Fórum Econômico Mundial, entidade baseada na Suíça, em cooperação com o Instituto de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard.
Segundo Sachs, coordenador da pesquisa, o 42º lugar obtido pelo Brasil, entre 53 países, no ranking de competitividade é o último alerta do despertador que avisa que é hora de o país acordar para dar passos menos trôpegos nas reformas econômicas.
Para Sachs, o Plano Real é meramente um programa de combate à inflação, que, sem profundas reformas estruturais, vai recorrer cada vez mais à moeda sobrevalorizada e a altas taxas de juros.
"O real sobrevalorizado e os juros elevados impedem o dinamismo das exportações, o crescimento econômico e, em última análise, o ataque à pobreza no país."
Sachs diz que as reformas estruturais prometidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso poderiam ajudar a remover os cinco obstáculos ao crescimento econômico do país: abertura tímida da economia, mercados financeiros avessos à competição internacional, baixa escolaridade dos trabalhadores, serviço público burocratizado e infra-estrutura ineficiente.
Os resultados da pesquisa, relativos a 96, foram divulgados há 15 dias. A pesquisa tem como base dados macroeconômicos e entrevistas com 3.000 executivos de 53 países. As entrevistas foram realizadas durante a última reunião anual do Fórum, ocorrida em fevereiro deste ano em Davos (Suíça).
O Brasil subiu seis posições no "Índice de Competitividade" (IC) em comparação com a pesquisa de 95. Mas, afirma Sachs, ainda está muito abaixo de onde deveria e poderia estar.
O país está imediatamente acima do Peru e da Colômbia e imediatamente abaixo da Jordânia e da África do Sul. Na América Latina, o Chile (13º), tem a melhor colocação, ficando o México em 33º e a Argentina em 37º. Sachs diz que o índice significa, na prática, a capacidade de um país alcançar altas taxas de crescimento.
"Os resultados indicam que as taxas de crescimento do Brasil, a médio prazo, sob as atuais condições, provavelmente não serão muito altas, colocando em dúvida a capacidade do país de melhorar rapidamente o padrão de vida de sua população."
Sachs diz que as reformas, em vez de esperarem pelas eleições de 1998, deveriam ser levadas a cabo com maior urgência. Mas não vê muita determinação política para reformas profundas no momento.
"A alternativa é jogar o país nas garras de um crescimento medíocre, deteriorando ainda mais o padrão de vida da população."
Em entrevista concedida à Folha, Jeffrey Sachs fez um diagnóstico e sugeriu terapias para os males da economia brasileira. Leia a seguir os principais trechos:
*
Folha - Por que o Brasil está em 42º lugar no Índice de Competitividade?
Jeffrey Sachs - O problema do Brasil é que a aproximação das eleições do ano que vem jogou as reformas econômicas, que já vinham perdendo o ímpeto recentemente, para segundo plano.
O governo está disposto a manter a taxa de câmbio sobrevalorizada porque isso é bom politicamente, pois segura a inflação em ano eleitoral, mas vai condenar o país a taxas de crescimento muito abaixo de sua potencialidade a médio prazo e aumentar os já preocupantes níveis dos déficits comercial e do balanço de pagamentos.
Isso vai deteriorar ainda mais o padrão de vida da população brasileira, que não é, a meu ver, um dos mais altos do mundo.
Folha - O Plano Real completa três anos em 1º de julho. Quais são os pontos positivos e negativos?
Sachs - Sem dúvida, trata-se de um programa muito inteligente de estabilização monetária. E só.
A inflação foi eliminada em meio a uma campanha presidencial, o que é um feito ao mesmo tempo incomum e extraordinário. Mas os problemas no Brasil são mais complicados do que uma reforma monetária.
Há sérias sequelas de 40 ou 50 anos de alta inflação e economia fechada. O sistema de bancos estaduais está falido, o Orçamento está sem controle, o mercado de trabalho não funciona bem, o funcionalismo público reage às tentativas de reforma e falta competição em muitas áreas de infra-estrutura.
Folha - A vitória do Plano Real contra a inflação é, então, apenas a ponta do iceberg das reformas necessárias no país?
Sachs - Sem dúvida, porque o governo deveria, após a vitória inicial contra a inflação, ter mergulhado de cabeça numa profunda reforma estrutural da economia. E isso, que mudaria radicalmente a maneira como o país tem sido governado, não aconteceu.
Essas mudanças, entre elas as reformas da Previdência Social, administrativa e tributária, não se tornaram realidade na esteira do sucesso do plano, o qual vejo como uma reforma monetária para derrubar a inflação.
O resultado é que a política fiscal foge ao controle do governo, porque ele fez muitas concessões no "toma lá, dá cá" do Congresso. As reformas já efetuadas estão na direção certa, mas seu alcance é muito limitado.
O saldo até agora é uma política fiscal fraca contrabalançada por uma política monetária forte. Essa combinação produz taxas de juros muito elevadas e uma moeda sobrevalorizada. E sabemos que isso é uma receita para uma taxa de crescimento muito baixa.
Folha - Qual sua estimativa para a sobrevalorização do real em relação ao dólar? Por quanto tempo acha que ela será mantida?
Sachs - Concordo com a maioria das estimativas entre 20% e 30%. É difícil dizer quanto tempo, mas todos podem ver que a situação econômica, que aprofunda as mazelas sociais e a pobreza, não é saudável. A taxa de crescimento das exportações não é dinâmica. O déficit em conta corrente é muito grande. As pressões por mais medidas protecionistas se avolumam.
Folha - Qual é a principal implicação disso?
Sachs - É a incapacidade do país de alcançar um crescimento decente a médio prazo. O que o Brasil precisa é construir uma base para melhorar o padrão de vida de sua população. Mas isso parece que não vai acontecer.
Se o Brasil continuar sob a atual política econômica, sem as reformas estruturais, pode-se imaginar crescimento à taxa de 2% a 3% por ano, talvez, no máximo, 4%. Mas é muito difícil imaginar crescimento de 6% a 8% por ano em base sustentada. Assim, o baixo nível do padrão de vida vai continuar por mais tempo do que a população brasileira deveria aceitar.
Folha - Como o sr. avalia os resultados da pesquisa do Fórum Econômico Mundial? Eles são aparentemente contraditórios: ruins em competitividade, mas, ao mesmo tempo, o país é o 5º na preferência dos investidores internacionais.
Sachs - O nosso Índice de Competitividade é uma medida da capacidade do país de crescer. Os resultados indicam que a taxa de crescimento do Brasil, sob as atuais condições, não será muito alta. Por outro lado, o Brasil é um dos maiores países do mundo.
Assim, mesmo com modestas taxas de crescimento, a expansão total do mercado brasileiro é elevada, o que é uma condição para a atração de investimento estrangeiro. Isso não surpreende porque, em termos absolutos, o mercado interno vai crescer, mas a uma taxa muito baixa comparada com o que o Brasil poderia e deveria alcançar.
Folha - O que mais os resultados da pesquisa sugerem?
Sachs - Os resultados sugerem que há muita coisa errada com a economia brasileira, o que está amarrando a taxa de crescimento.
A pesquisa mostra que o Brasil não tem uma economia eficiente nem capaz de manter altas taxas de crescimento. Há cinco áreas problemáticas: a comunidade de negócios ainda considera a economia muito fechada e a moeda sobrevalorizada, o que impede o crescimento das exportações. Os mercados financeiros são restritivos à competição internacional, a infra-estrutura é de má qualidade, o serviço público é ineficiente, inchado e sujeito à corrupção e a escolaridade da população é baixa.

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