São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Europa reabre debate sobre papel do Estado

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A AMSTERDÃ

A cúpula européia que começa hoje em Amsterdã reabre, na prática, discussão que parecia vencida pela onda neoliberal predominante no mundo: o Estado deve ou não intervir na economia, no caso para ajudá-la a criar empregos?
Como parece altamente improvável que se chegue a uma resposta mais ou menos consensual a respeito, a cúpula tende ao fracasso, total ou parcial.
Total se o novo governo socialista francês insistir na tese de que o Estado (no caso, a União Européia) deve alocar recursos para programas que gerem empregos.
O primeiro-secretário do Partido Socialista francês, François Hollande, diz que a idéia do premiê Lionel Jospin é reativar projeto aprovado pela UE em 1994 para um conjunto de obras públicas, que, naturalmente, criam milhares de empregos. É a reiteração de uma posição clássica do socialismo democrático.
Já o conservador chanceler (primeiro-ministro) alemão, Helmut Kohl, acha que a estabilidade econômica (o que exige orçamentos equilibrados) é o pilar fundamental para o crescimento e, por extensão, a criação de empregos.
É justo dizer que Kohl reage menos por conservadorismo e mais porque a Alemanha já não consegue financiar a sua rede de proteção social, talvez a mais ampla do mundo.
Para fechar o círculo, é preciso lembrar que a receita neoliberal para criar empregos chama-se flexibilização do mercado de trabalho e tem o apoio do novo premiê britânico, Tony Blair, teoricamente social-democrata como Jospin.
Na prática, significa tornar mais fácil e mais barato contratar e dispensar empregados. O pressuposto é o de que, se não fosse tão caro dispensar um funcionário, as empresas hesitariam menos em contratá-los.
E hesitariam ainda menos se a carga social sobre a folha de pagamentos não fosse também elevada. Claro que reduzir os encargos sociais implica reduzir igualmente os benefícios (aposentadoria, pensões, seguro-desemprego etc).
Bélgica adere
Até a vitória dos socialistas na França, no dia 1º de junho, a resistência ao caminho neoliberal vinha quase só das ruas, na forma de manifestações de protesto toda vez que algum governo europeu tentava mexer no sistema de seguridade social.
Agora, a resistência se amplia. No sábado, o ministro belga de Finanças, Philippe Maystadt, disse ao jornal "L'Echo" que "o governo francês sublinha corretamente que a coordenação econômica não pode se limitar à política orçamentária, mas precisa incluir outros aspectos, como o emprego".
A resistência invadiu até a Internet, a rede mundial de computadores: por meio dela, um grupo de 331 acadêmicos de 14 países da União Européia construiu um manifesto aos líderes europeus, condenando as regras para o euro.
O jornal britânico "The Guardian" informa que os acadêmicos defendem uma revisão do Tratado de Maastricht para que inclua regras para o crescimento tanto da economia como do emprego.
Os líderes europeus instalam hoje sua cúpula presos em armadilha, resumida assim pelo comissário (espécie de ministro) europeu de Finanças, Yves-Thibault de Silguy: "não se pode criar empregos agitando uma varinha mágica".
Ainda mais quando não há acordo nem sequer sobre qual varinha mágica utilizar, a do Estado ou a do mercado.

Texto Anterior: Violado o cessar-fogo em Brazzaville
Próximo Texto: Marcha de países da UE reúne até 50 mil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.