São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
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Por uma nova cultura de polícia no Brasil

BENEDITO DOMINGOS MARIANO

Os últimos episódios envolvendo a Polícia Militar, caso da favela Naval, e a Polícia Civil, caso Bodega, em São Paulo, foram emblemáticos para estabelecer na sociedade brasileira um amplo debate sobre a estrutura das polícias no Brasil.
A emenda idealizada pelo professor José Afonso da Silva e enviada pelo governador Mário Covas ao presidente da República estabelece o mais importante debate na sociedade brasileira sobre o setor de segurança pública, na medida em que coloca na agenda nacional a possibilidade de termos uma única polícia, de caráter civil, "judiciária, investigativa, preventiva e ostensiva".
Para que possamos visualizar uma nova polícia no Brasil, no século 21, torna-se necessário retirar vários entulhos autoritários que ainda estão impregnados nas duas polícias -Civil e Militar- e repensar suas estruturas.
1) É necessário que, concomitantemente à emenda constitucional proposta pelo governador Mário Covas, estabeleça-se uma nova lei orgânica para essa nova polícia, que modifique, entre outras coisas, a famigerada aposentadoria compulsória aos 70 anos dos delegados de polícia de classe especial, que leva a que a cúpula da Polícia Civil se "perpetue" no poder por 20 ou 30 anos, não oxigenando os seus quadros.
Pela especificidade dessa função na estrutura do Estado, talvez fosse razoável pensar que os planos de cargos e carreira na polícia se limitassem aos 35 anos de serviço e tivessem o tempo de sete anos, no máximo, na última classe da carreira.
2) Muitos apregoam, em particular os oficiais da PM, que a Polícia Militar tem 164 anos de existência. Do ponto de vista histórico, a Polícia Militar de São Paulo tem 27 anos. O regime instaurado em 31/3/1964 estabeleceu, em 1970, a fusão do então "Exército Paulista" (Força Pública) com a Guarda Civil (polícia ostensiva e preventiva).
Surge a partir daí a Polícia Militar, e junto com ela uma dicotomia estrutural que vigora até hoje, qual seja, uma polícia que teria uma função de natureza civil com estrutura essencialmente militar, na medida em que a função de policiamento ostensivo e preventivo seria exercida por uma polícia que adaptou para efeito de disciplina e hierarquia o regulamento disciplinar de 9/11/1943, feito para o "exército regional" paulista.
Romper com essa dicotomia estrutural é uma questão que tem de ser enfrentada agora, independentemente de saber se a função de polícia ostensiva e preventiva ficará ou não com a Polícia Militar.
3) Se é verdade que o regulamento disciplinar da Polícia Militar atual peca pelo rigor aos princípios e à ética militar "stricto sensu", também é verdade que a disciplina e a hierarquia na Polícia Civil sofrem de uma estrutura extremamente frágil. Em algumas unidades da Polícia Civil, os investigadores têm maior poder de mando do que o dos próprios delegados.
4) É também necessário reforçar os órgãos apuradores da polícia e ampliar a fiscalização autônoma e independente da atividade policial. O corporativismo, que às vezes impede que se façam as devidas apuração e punição dos delitos cometidos por agentes policiais, está impregnado, ainda, nas polícias Civil e Militar.
Queremos, sim, uma única polícia de caráter civil que unifique as funções de polícia no Brasil, mas não essa Polícia Civil que temos hoje, na qual, em alguns Estados, existem delegados de polícia nomeados pelos governadores, sem concurso público e sem o título de bacharel em direito.
A Ouvidoria defende a elevação do piso salarial dos policiais civis e militares, o aperfeiçoamento técnico e científico da polícia, a devida assistência psicológica, a auto-estima e tudo o mais que possa motivar o serviço dos policiais, com a mesma ênfase com que combate a tortura e as execuções sumárias.
As polícias, no processo de transição democrática, são também convidadas a ser protagonistas na garantia do Estado de Direito e da cidadania.
E é na perspectiva desse novo paradigma que a Ouvidoria da Polícia se soma à busca de uma polícia legalista, democrática, transparente, equipada e com salários justos.

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