São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
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Crescimento baixo e de má qualidade

ANTONIO BARROS DE CASTRO

O governo parece convencido de que o crescimento da economia brasileira não tem sido medíocre. Para demonstrá-lo, adotou recentemente o expediente, no mínimo duvidoso, de referir-se ao crescimento acumulado durante diversos anos. Duas observações serão aqui feitas a esse propósito.
Há dois tipos de crescimento no curto prazo. O primeiro deles pode ser referido como crescimento por recuperação -do tempo e das oportunidades perdidas. Por exemplo, após uma recessão de três anos, a economia brasileira retomou vigorosamente a expansão em 1984. O crescimento foi mantido a um elevado ritmo, assegurando uma média de 7% ao ano durante três anos, ou seja, até o colapso do Plano Cruzado. De maneira similar, a economia da Argentina, ao ser lançado o atual plano de estabilização -e emergindo também de uma prolongada crise-, expandiu-se 7% ao ano durante quatro anos.
Em contraste com o crescimento por recuperação, podemos referir-nos ao crescimento por criação/exploração de novas oportunidades. Não há como negar que esse tipo de crescimento, especialmente para as empresas, é algo mais complexo. Requer muita experimentação e aprendizagem. Além disso, e para a economia como um todo, esse gênero de crescimento requer que os fatores a ser ocupados sejam, em grande medida, liberados pela própria expansão. Como, por outro lado, não há demandas reprimidas a satisfazer, podemos concluir que essa não é uma rota fácil de crescimento.
Dito o que precede, podemos acrescentar que os dados são contundentes acerca do retardamento ou atraso do crescimento no caso brasileiro. De 1980 a 1993, o PIB cresce a 1,5% ao ano. Isso implica dizer que o produto per capita caiu 5% no período! Nem falemos da produção industrial, que naqueles 13 anos cresceu (em termos absolutos) irrisórios 3%.
Em resumo, o acúmulo de oportunidades ao longo desse período -de grande avanço no plano internacional- foi seguramente enorme. Concretamente, e para ilustrar, ao fim desse período havia no país 11 habitantes por automóvel. Mediante correlações internacionais, seria lícito esperar, no entanto, um coeficiente de 8 habitantes por automóvel. E nem falemos que havia muito a melhorar na qualidade dos veículos produzidos em 1993...
Visto por todos esses ângulos, estamos, pois, em pleno crescimento fácil. E não se diga que a questão pura e simplesmente se reduz aos problemas e restrições macroeconômicos, aqui deliberadamente omitidos. Afinal, o Brasil, de 1984 a 1986, e a Argentina, durante o explosivo crescimento que se seguiu ao plano de estabilização, não estavam navegando em céu de brigadeiro, do ponto de vista macro. Acrescente-se, de passagem, que a Argentina cresceu 50% mais do que o Brasil em 1996 e possivelmente crescerá o dobro (7% contra 3,5%) no corrente ano.
Mas o medíocre crescimento que temos exibido não é "fácil" apenas do ponto de vista da natural compensação do atraso acumulado. Vejamos por quê.
Diante da acirrada competição imposta pelo rebaixamento das tarifas e pela valorização cambial, as empresas produtoras de bens internacionalmente transacionáveis têm sido levadas a reestruturar-se em profundidade. Sem pretender absolutizar a distinção, digamos que se entreabrem aqui dois caminhos. Uma possibilidade consiste em sair cortando emprego, eliminando seções e linhas de produtos -passando-se a importar muito mais. Essa é sem dúvida uma solução tentadora: requer menos empenho empresarial, menor esforço gerencial e até mesmo menor envolvimento por parte dos próprios trabalhadores que permanecerem na empresa.
Essa solução pode também ser dita, num outro sentido, fácil. Seguramente coloca problemas para a sociedade e não é tampouco a melhor solução para a empresa, se nos colocarmos numa perspectiva de longo prazo. Esse tipo de reflexão vem, aliás, sendo feita em outro contexto. Assim, por exemplo, estudos da OCDE distinguem entre "rotas baixas" e "rotas altas" de crescimento. E a principal distinção consiste -como aqui- em meramente sair cortando custos ou, pelo contrário, tentar elevar a eficiência no uso dos recursos disponíveis. O destaque aqui repousa, necessariamente, na qualificação dos trabalhadores para que retirem mais resultados dos equipamentos e demais recursos produtivos com que se defrontam. (Veja-se, por exemplo, "Local Economies and Globalization", OECD, 1995.)
O governo brasileiro, até o presente, não admitiu discutir rotas de crescimento. Nem no que toca à sua definição macroeconômica, nem no que se refere ao seu conteúdo microeconômico. Essa atitude faz sentido na medida em que se tenha uma fé cega no mercado como condutor de todas as decisões. Se, contudo, a evolução econômica passa a ser, em vários sentidos, tentativamente corrigida pelo "neopragmatismo" hoje imperante, essa omissão passa a ser uma inconsistência a mais de nossa política econômica.

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