São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
Próximo Texto | Índice

Reeve quer ser o "Super-Homem dos deficientes"

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
ENVIADO ESPECIAL A MICHIGAN

Um super-homem para os portadores de deficiência física. É assim que o ator Christopher Reeve pretende ser visto daqui a alguns anos.
Após uma queda de cavalo que o deixou tetraplégico, em 1995, o ator, famoso pelo papel de Super-Homem no cinema, montou uma fundação para ajudar os portadores de deficiência física e bancar pesquisas que auxiliem a regeneração da medula espinhal.
"É preciso muito dinheiro para que um dia consigamos, eu e tantas pessoas com o mesmo problema, andar novamente", afirmou.
Em maio, Reeve, que, além de ter perdido o movimento dos braços e das pernas, respira com a ajuda de aparelhos, declarou à rede de TV CBS que estava começando a ter sensações na base da espinha e em um dos braços.
Em entrevista à Folha, o ator relata a batalha diária contra suas limitações físicas, analisa sua nova vida e a mudança de mentalidade depois do acidente, além de falar sobre seus projetos profissionais.
*
Folha - Vou começar com uma pergunta óbvia, que o sr. já deve ter respondido diversas vezes. Como foi se adaptar a uma nova vida, depender tanto de outras pessoas?
Christopher Reeve - Vou começar respondendo o óbvio. Foi muito difícil. Está sendo muito difícil. Passei e continuo passando, no dia-a-dia, por dificuldades enormes. Também parece óbvio, é o que muitos dizem, depois de um acidente como o meu, mas a pessoa acidentada aprende muito.
Mudou tudo na minha vida, de uma hora para outra. Eu não podia fazer nada sozinho, e várias pessoas me emocionaram, mostraram um carinho por mim que, bem, eu não tenho palavras para descrever, não sei como expressar meu reconhecimento e meu amor por elas.
Quem estava ao meu lado porque eu era o ator, o Super-Homem, sumiu. Quem estava ao meu lado porque gostava de mim, andando ou não andando, trabalhando ou não trabalhando, mexendo ou não me mexendo, o carinho e o respeito que eu sinto por eles, porque também não é fácil para eles, são indescritíveis.
Folha - Como é que está sendo seu tratamento?
Reeve - Passei seis meses direto no Kessler Institute de West Orange (em Nova Jersey). Hoje já seguro a cabeça ereta, sem ajuda, durante uma hora. No começo, não conseguia nem por cinco minutos.
Estou também tomando medicação para a regeneração das células do sistema nervoso.
É um procedimento lento, que exige muita paciência, mas a medicina caminha para resolver casos como o meu. É só questão de investimento.
Folha - A Fundação Christopher Reeve está sendo bem-sucedida?
Reeve - Felizmente sim. Temos percorrido todo o país, com grandes campanhas publicitárias, shows e eventos beneficentes para arrecadar dinheiro. É preciso muito dinheiro.
Folha - O sr. tem idéia de quantas pessoas nos Estados Unidos têm o mesmo problema?
Reeve - Cerca de 300 mil. E o que me preocupa é que, para elas, o problema pode se tornar mais grave, porque eu, pelo menos, tenho recursos financeiros.
Não é todo mundo que pode pagar US$ 10 mil por uma cadeira de rodas das mais sofisticadas, ter duas enfermeiras e um assistente 24 horas por dia, como é meu caso.
Depois do acidente, me tornei um ser humano melhor. Não é um simples discurso. Quero ajudar os outros portadores de deficiência física, retribuindo um pouco o que pessoas maravilhosas, como minha mulher (Dana Morosini, cantora), têm feito por mim.
Folha - Quais são as atividades que mais lhe dão prazer?
Reeve - Estou aprendendo um pouco mais sobre as coisas do outro lado do palco. Adoro assistir a filmes ou peças de teatro, ir a shows, ver um jogo de NBA ou da NFL pela TV e papear com os amigos. Quando estava em plena atividade, perdi muito o contato com grandes amigos.
Hoje não. Vou à casa deles, eles vêm me visitar. O meu lado humano melhorou muito, e eu aprendi a curtir as pessoas, muito mais do que antes. Não troco um bom amigo por nada.
Folha - O sr. faz terapia?
Reeve - Faço. Depois do acidente, eu e minha mulher sentimos a necessidade de ter ajuda psicológica, alguma espécie de apoio.
Folha - E seu filho?
Reeve - Ele é muito pequeno (quatro anos), mas já entende a situação. No começo, foi mais complicado, mas hoje já entende. Só lamento não poder abraçá-lo, pelo menos por enquanto. Tenho certeza de que um dia vou melhorar.
Folha - Mudando de assunto, em 1996 o sr. fez aparições públicas para apoiar a reeleição do presidente Clinton. O início do segundo governo Clinton parece mais promissor do que o anterior?
Reeve - O presidente Clinton tem feito uma boa administração. Principalmente do ponto de vista das minorias e das classes sociais mais desfavorecidas, acho que ele tem se saído bem.
Num segundo mandato, o presidente tem condições de se preocupar ainda mais com causas como as que eu defendo, em favor dos portadores de deficiência física.
O governo federal tem nos ajudado em diversas causas, até em pressionar o Instituto de Arquitetos Americanos a construir obras públicas que possam ser usufruídas por portadores de deficiência.
Contar com o apoio do presidente em causas de grupos minoritários é sempre importante. E nós sabemos que podemos contar com a administração Clinton.
Folha - Neste ano, a rede de TV HBO exibiu um drama, "In the Gloaming", feito sob sua direção. O sr. pretende abraçar a profissão de diretor de cinema?
Reeve - Por enquanto, sim. Minha experiência profissional como ator, e agora minha experiência de vida e minha tragédia pessoal, podem me transformar num bom diretor. Gostei de trabalhar na direção, acho que estou mais observador e perfeccionista do que antes.

Próximo Texto: Vida do ator deve virar livro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.