São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 1997
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Formando apertadores de parafusos

KÉRISON LOPES

O governo federal baixou, no último dia 17 de abril, o decreto-lei que institui a reforma do ensino técnico e tecnológico. O argumento utilizado pode até parecer simpático para a população. Afinal, quem não quer que a oferta de vagas nas escolas técnicas seja ampliada? O problema é que o remédio proposto vai matar o paciente.
Muito longe de aumentar a rede de ensino público de melhor qualidade que temos (e sabemos que isso é coisa rara por aqui), o ministro Paulo Renato decretou o fim das escolas técnicas. Ou seja, toda a rede, como é conhecida hoje -eficaz e de qualidade, apesar do sucateamento a que foi submetida nos últimos anos-, será simplesmente exterminada a partir de 98.
O próprio ministro reconhece que as escolas técnicas federais e alguns dos sistemas estaduais proporcionam um ensino de excelente qualidade. Então, por que acabar com ele?
Na verdade, sob o argumento de que a rede será ampliada, o governo transformará a grade curricular do ensino técnico em módulos profissionalizantes desvinculados do 2º grau, separando a formação acadêmica da técnica. Esse "treinamento" servirá apenas para jogar rápida e massivamente mão-de-obra barata e malformada no mercado de trabalho.
É por isso que denunciamos: o governo quer apertadores de parafusos, profissionais sem qualquer senso crítico ou conhecimento da realidade do nosso país. Pessoas sem preparo, formadas em série para desempenhar trabalhos de baixa qualificação.
Além disso, a medida provisória (sempre elas) 1.549 desobriga a União do financiamento dessas escolas, prevendo que sua manutenção seja feita pela "sociedade" (leia-se governo construindo escolas para as empresas administrarem e formarem sua própria mão-de-obra).
Muita gente pode se iludir e achar que essa é uma esperança para quem não tem qualquer formação. Achamos que os governos, os passados e o atual, deixaram a educação chegar a um estado de tamanha penúria que qualquer besteira feita nesse setor acaba sendo vista com bons olhos. Afinal de contas, do jeito que está não pode continuar.
Pois nós perguntamos: a educação pública, gratuita e de qualidade não é um direito de todos e um dever do Estado? Por que acabar com o que existe de melhor na educação de nosso país, com o argumento absurdo de que quem tem acesso a esse ensino é um privilegiado?
O governo deve privilegiar todo mundo e investir na capacitação e modernização dos laboratórios das escolas técnicas, incentivar as pesquisas, construir mais escolas, aumentar as vagas, melhorar os salários dos professores e destinar mais verbas para a educação, em vez de colocar a culpa do problema em suas maiores vítimas: os estudantes.

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