São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 1997
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Biógrafo de Guevara desfaz o "mito"

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mito de um líder libertário, o símbolo maior das aspirações dos anos 60, alguém capaz de unir a luta pela justiça à ternura de seus atos -tudo isso que ainda hoje se pensa de Ernesto Che Guevara, o herói da Revolução Cubana, foi contestado e relativizado pelo sociólogo e economista mexicano Jorge Castañeda, professor visitante da Universidade de Harvard (EUA), que acaba de lançar no Brasil a biografia "Che Guevara -a Vida em Vermelho".
Falando anteontem à noite no anfiteatro do Departamento de Geografia da USP para cerca de 300 estudantes, num encontro promovido pela Folha e a Companhia das Letras, Castañeda disse que a "docilidade" de Guevara, expressa na célebre frase "é preciso endurecer, mas sem perder a ternura jamais", era "só retórica".
Che, disse Castañeda, "sempre foi um homem terrivelmente duro, consigo mesmo e com os outros". O fato de que tenha sido elevado à condição de ícone das barricadas de 68, na França, prosseguiu o biógrafo, significa mais "uma apropriação equivocada" do que uma real sintonia entre as transformações culturais vividas na época e as idéias políticas de Guevara.
Entre outras coisas, Che foi adepto da pena de morte, perseguiu homossexuais e manteve-se fiel ao stalinismo nos primeiros anos da revolução.
Debatendo com Castañeda, o deputado federal e ex-guerrilheiro Fernando Gabeira puxou a discussão para a esfera subjetiva. Perguntou em que medida o fato de o líder não ter tido uma relação verdadeiramente amorosa com as suas três mulheres determinou os rumos de sua opção política.
Ressalvando que não queria cair no "psicologismo elementar", Gabeira indagou: "Ele era feliz? Amou alguém de verdade?". Castañeda respondeu que "só sua mãe e talvez Fidel Castro".
O sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, professor da USP, que mediou o debate, lembrou que na ocasião em que Che foi assassinado, na Bolívia, em 67, o filósofo Jean-Paul Sartre disse que ele era "o homem mais completo de sua época".
O sociólogo manifestou seu desagrado em relação à defesa da pena de morte por parte de Guevara. Disse que Daniel Cohn-Bendit, líder de maio de 68 na França, defendeu que "o repúdio à pena de morte deveria ser uma exigência absoluta" das lutas libertárias.

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