São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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Regras que valem bilhões

CELSO PINTO

A privatização do setor elétrico brasileiro é um negócio de US$ 100 bilhões (US$ 60 bilhões na geração, US$ 30 bilhões na distribuição e US$ 10 bilhões na transmissão), até agora sem regras cruciais definidas. Da forma como a discussão tem andado, a tendência é gerar um mercado com tarifas altas e baixa competição. Ou seja, um paraíso para quem comprar as empresas e um inferno para os consumidores.
Essa é a visão de Marco Soligo, vice-presidente do banco de investimentos norte-americano Bear Sterns. Ele argumenta, com razão, que tem sido mínima a discussão pública sobre o futuro do setor, embora pequenas mexidas nas regras envolvam bilhões de dólares em interesses.
Semana passada, a Coopers & Lybrand entregou, por encomenda do governo, um calhamaço com sugestões para a regulamentação, por enquanto discutido reservadamente. O próprio relatório anota suas recomendações e as do governo, deixando em aberto as alternativas.
Pelo que se sabe, diz Soligo, o desenho provável das regras, por beneficiar as empresas, justifica a euforia dos investidores com as ações do setor. Alguns exemplos: as ações da Eletropaulo subiram 28% em junho (até quarta-feira) e 95% em um ano; as da Cesp subiram 43% no mês e 81% em um ano; as da Cemig subiram 18% no mês e 50% no ano; as da Eletrobrás subiram 16% no mês e 56% em um ano.
Os dois pontos centrais:
1) tarifas -já estão entre as mais altas do mundo. A residencial média, segundo Soligo, é de US$ 110 por megawatt/hora, comparável, por exemplo, com US$ 80 na Suécia. O modelo deverá congelar esse nível alto por vários anos.
No caso da geração, a tendência é garantir a tarifa atual por cinco anos, corrigida pela inflação, para só depois passar a seguir o custo marginal de expansão, ou seja, o custo de construção de novas geradoras.
O governo calcula esse custo marginal hoje acima de US$ 40 por megawatt/hora. Soligo diz que duas hidrelétricas assumidas por empresas privadas provam o contrário: Rosal, em São Paulo, ficará em US$ 25 por megawatt/hora, e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, em US$ 29,5.
Ele acha que esse é o nível correto e que tomar US$ 40 como referência é inchar os lucros futuros das geradoras. Quem opera da geração à venda final, como a Cemig, poderá gerar energia por US$ 25 e vender por US$ 90. Mesmo considerando que termelétricas custam mais caro, como as hidrelétricas respondem por 92% da matriz energética, são elas que contam.
Na distribuição, a Light, ao ser privatizada, garantiu a tarifa atual por oito anos, corrigida pela inflação. A tendência seria garantir por cinco anos o preço e depois revê-lo a cada três anos, deduzindo da tarifa real ganhos de produtividade (sistema de "price cap"). O governo paulista quer garantir apenas três anos de preços indexados antes de começar as revisões.
O fato é que quem comprar ficará com garantia de tarifas altíssimas e margens de lucro recordes (no caso das distribuidoras) por muito tempo. Soligo diz que, nos seus cálculos, a Light valia o dobro do preço pelo qual foi vendida;
2) competição -tende a ser pequena. A regra deverá preservar para as geradoras um mercado cativo (residências e empresas) que deverá significar 70% do mercado. Além disso, poderá haver contratos diretos com grandes consumidores.
Se for assim, Soligo calcula que sobrará cerca de 10% da energia para o chamado mercado "spot", no qual existe concorrência para valer na venda, dia a dia, das várias geradoras. Quanto mais importante o mercado "spot", mais eficiente o mercado, como mostram exemplos de outros países.
A lei vigente limita também a possibilidade de os consumidores escolherem livremente de quem compram energia. Até o ano 2003, quando a lei será revista, só consumidores industriais (mínimo de 1.000 megawatts) poderão comprar energia de quem cobrar menos, o que exclui residências e comércio.
Regras desse tipo engordam o valor de venda para o governo, mas não maximizam a competição nem o repasse de ganhos de produtividade para o consumidor, segundo Soligo. O que poderá transformar o futuro negócio privado da energia mais lucrativo do que o das telecomunicações.

E-maill:CelPinto@uol.com.br

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