São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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MARIA CALLAS

Antologia eterniza a voz da soprano

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Maria Callas (1923-1977) subiu ao palco 539 vezes em sua carreira relativamente curta. A soprano greco-americana também foi pródiga em gravações. Sua voz amadureceu e sua fama emergiu ao mesmo tempo em que os primeiros LPs viabilizaram o registro integral de óperas.
Antes dela, as bolachas de vinil de 78 rpm (rotações por minuto) tornavam economicamente possível só a gravação de pequenos trechos, com árias ou duetos.
No início dos anos 50, a EMI tinha em Walter Legge seu principal produtor. Legge fez da Callas "discografada" aquilo que, merecidamente e aos poucos, ela se tornava junto ao público das casas líricas: uma espécie de semideusa.
Callas perdeu a voz no início dos anos 60. Foi pelo disco que seu mito subsistiu. Agora, a 16 de setembro, sua morte estará completando 20 anos. Nada mais óbvio que reeditar suas melhores gravações.
A rigor, ela nunca chegou a sair do catálogo. A EMI abandonou a tentativa malograda de criar uma falsa estereofonia em gravações feitas originalmente em mono. Partiu, com ótimo resultado, para a remasterização digital das matrizes no estúdio inglês Abbey Road.
O primeiro pacote de lançamentos tem 20 óperas gravadas entre 1953 e 1964. Entre outubro e novembro, serão lançadas outras nove óperas completas e duas ainda inéditas (um Gluck e "I Vespri Siciliani", de Verdi). Ainda no embalo, 13 CDs com recitais.
É por aí que reside o perigo. Callas abandonou as montagens líricas para se apresentar em solo quando sua voz se ressentia de um rápido e trágico declínio.
Outra gravadora, a Philips, mantém (felizmente engavetadas) as matrizes da turnê mundial que Callas e seu tenor preferido, Giuseppe Di Stefano, fizeram entre 1973 e 1974. Para quem ouviu, foi uma tentativa de "revival" patética. Ambos estavam irremediavelmente sem voz.
A vantagem desse primeiro pacote da EMI é que ele reúne a essência das gravações em estúdio do chamado ciclo Alla Scala. Há nove óperas em que a soprano é dirigida por Tullio Serafin, duas por Karajan e uma, antológica, por Victor de Sabata.
Serafin (1878-1968) foi quem descobriu Callas em Verona, em 1947. Orientou-a em direção ao "primo ottocento", período do romantismo italiano do qual fazem parte Bellini e Donizetti.
"Norma", de Bellini, foi o papel de Callas por excelência, aquele que ela mais interpretou. A gravação agora reeditada é de 1954. A ouvir, imperativamente.
Outro ponto altíssimo: a "Tosca" regida por Victor de Sabata (1892-1960). Gravada em 1953, é tida como referência. E não apenas pelo desempenho de Callas. A remasterização restaurou a transparência grave dos sopros e violoncelos. A voz de Di Stefano em "E Lucevan le Stelle" está magnífica. A regência constrói uma dramaticidade sem arestas supérfluas.
A "Traviata" gravada em Lisboa, em 1958, com a purificação do som, tornou mais insuportáveis as tosses da platéia e o ruído dos sapatos dos cantores no palco.
A EMI poderia ter lançado uma outra versão de que é proprietária. A que foi regida no La Scala por Carlo Maria Giulini, com direção cênica de Luchino Visconti.
Não o fez talvez porque a voz de Callas, como Violetta, não esteja tão antológica. Ouçam por exemplo "Sempre Libera", a ária do primeiro ato. Um prêmio para quem não se comover, e muito.

Gravações: 20 integrais de óperas com Maria Callas (soprano)
Gravadora: EMI
Preço: R$ 28,00, em média, cada caixa

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