São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Não há lugar para nós', diz independente

FRANCIS CORNU
DO "LE MONDE"

A voz refinada é acompanhada apenas pelos acordes graves de dois violoncelos. É Bevinda, cantando poemas de Fernando Pessoa. Poderia ser world music, mas não no sentido em que o termo é entendido pela maioria das pessoas. Este não será o grande sucesso do verão.
O produtor independente Gilbert Castro, diretor da Mélodie Celluloïd, sabe disso e, por um instante, saboreia seu privilégio, como o esteta que é.
Não que seja avesso ao sucesso, longe disso. Tanto assim que não demora a começar a criticar as grandes potências que dominam o mercado do disco, correndo o risco, em sua opinião, de arrasar tudo em seu caminho.
*
Le Monde - As grandes operações especiais das principais gravadoras, como Sony, Polygram ou BMG, combinadas com a televisão e/ou a rádio e com o apoio de uma marca de produto amplamente consumido prejudicam realmente o desenvolvimento dos independentes?
Gilberto Castro - Não há mais lugar para gente como nós. O mercado, que passou anos em expansão, mas hoje se encontra estagnado, está em processo de monopolização. A indústria do disco não figura entre as maiores preocupações da economia nacional, mas deveria, já que é a segundo maior anunciante na TV, perdendo apenas para o setor automobilístico.
As ligações entre as grandes gravadoras e as emissoras de televisão já são muito fortes e não param de crescer, como se pode ver pelas grandes jogadas do verão, que, neste ano, estão se multiplicando.
As coisas envolvem cada vez mais dinheiro, uma máquina cada vez maior. O mercado está se concentrando. Os hipermercados, que possuem centrais de compras, concentram 75% das vendas.
Le Monde - Esse sistema exclui vocês sempre?
Castro - Os pequenos não podem entrar no quintal dos grandes. Não têm meios para tanto. Para fazer sucesso, precisariam de uma mídia forte. Acontece que, na televisão, excetuando as emissoras especializadas, se você não tem condições de pagar uma campanha publicitária, só restam os programas de variedades, que, aliás, estão desaparecendo.
Le Monde - Mas ainda sobram várias rádios.
Castro - É verdade, mas para que sua música seja tocada na maioria das rádios é preciso corresponder a um formato padrão.
Eu fui um dos pioneiros da world music, com Manu Dibango, Youssou N'Dour, Johnny Clegg, Cesaria Evora. Quando eu quis oferecer Bevinda, uma cantora portuguesa, responderam-me que já havia vozes portuguesas demais. Mostraram-me cotas... É chocante.
Há uma tendência à normatização, o sistema está se fechando cada vez mais. As televisões, as rádios e as grandes gravadoras não querem se arriscar. Elas só investem nos sucessos garantidos.
Vem daí o fenômeno das compilações e dos álbuns tipo "The Best of". E as opções que o público tem vão ficando cada vez mais restritas.
(FC)

Tradução Clara Allain

Texto Anterior: Emissora Arte também tem seu sucesso
Próximo Texto: MARIA CALLAS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.