São Paulo, sábado, 21 de junho de 1997
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Missão de guarda

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF), precipuamente, a guarda da Constituição", conforme ela mesma o expressa, no artigo 102, o que me levou a afirmar, logo depois de editada, em 1988, que a Constituição diz o que o Supremo diz que ela diz. Vale a pena, por isso mesmo, conhecer as opiniões pessoais do presidente daquele tribunal, ministro Celso de Mello, sobre a tarefa que lhe é atribuída.
A primeira missão do STF não consiste apenas em afirmar a supremacia da ordem constitucional, mas, na ótica de seu presidente, em "viabilizar a própria da Constituição da República, para que esta, deixando de se qualificar como simples repositório de proclamações retóricas, converta-se -pela ação consequente e realizadora dos magistrados- em peça essencial da estabilidade institucional, em documento fundamental de segurança jurídica e em instrumento básico de defesa das liberdades civis e de proteção das franquias democráticas".
Celso de Mello se opõe a manipulações interpretativas que frustrem o alcance dos postulados ético-jurídicos correspondentes ao Estado Democrático de Direito. Nega que o Estado possa interpretá-la somente em favor do próprio Estado. Ao contrário, é, em suas palavras, "o manto protetor das liberdades públicas em face do caráter expansivo, e muitas vezes arbitrário, da atuação do poder estatal". Interrompo a citação para dizer que nem sempre o Judiciário, como um todo, tem mostrado suficiente ânimo para se opor a excessos de atuação dos demais órgãos de poder.
O cidadão deve ter noção muito firme de que a missão mais completa de uma Constituição respeitável e respeitada, para o indivíduo, é a de o garantir contra o Estado, preservando-a de qualquer abuso. Para o presidente do STF a Constituição e as leis "não podem converter-se em fontes de privilégios estamentais (referem-se aos grupos sociais que têm estrutura jurídica própria) ou de benefício e favores de ordem corporativa". É justo que o ministro-presidente do Supremo diga tais palavras, pois a preservação dos valores éticos, na democracia, impõe a preponderância dos princípios afirmados no artigo 37 da Constituição, referentes à igualdade, à impessoalidade e à moralidade administrativa.
Diante de tais afirmativas, o leitor estará a se perguntar como o presidente do Supremo entende o relacionamento do Poder Judiciário com os dois outros poderes da República. Reconhecendo -segundo a melhor doutrina e a realidade nacional- que os poderes são interdependentes, pensa Celso de Mello que a harmonia entre os poderes da República é valor constitucional. Cumpre preservá-lo. É necessário cultivá-lo. Tanto que esclarece seu entendimento no sentido de que o convívio harmonioso e reciprocamente respeitoso é mais do que mero rito institucional. Na verdade "traduz indeclinável obrigação constitucional que a todos se impõe". Escrevi anteriormente a esse respeito, manifestando a importância da harmonia entre os poderes, mas, ao mesmo tempo, ponderei que, no passado, a solução das crises envolveu, salvo umas poucas exceções, a aceitação, pela magistratura, de composições do interesse dos outros dois poderes, especialmente o Executivo, o que gerava evidente desprestígio para ela.
Celso de Mello afirma, em síntese, que, quando o Judiciário se pauta pelo regular exercício da função jurisdicional, legitima-se. Exige-se, mais, que seja transparente. A corajosa defesa da publicidade integral dos atos judiciais foi examinada pelo presidente do STF. Tratarei dela no próximo comentário.

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