São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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Avanço da esquerda ajuda PT, diz Genro

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O ex-prefeito de Porto Alegre Tarso Genro (PT), 50, tornou-se nos últimos meses a alternativa petista mais citada para uma eventual abertura de vaga na disputa pela Presidência da República, caso Luiz Inácio Lula da Silva desista.
Nos últimos dias, porém, Genro tem defendido a candidatura imediata de Lula, sob a alegação de que Fernando Henrique Cardoso já iniciou a sua campanha.
Nesta entrevista concedida quinta-feira à Agência Folha, em seu escritório de advocacia no centro de Porto Alegre, Genro não só repetiu a sua convicção de que Lula precisa desencadear já a sua campanha, como falou de comportamentos que devem ser assumidos pelo partido e pelo seu candidato.
Genro vê 1998 como um momento político fundamental para a esquerda, em função dos reflexos que as vitórias na Europa podem ter na América Latina.
Com a candidatura ao governo do Rio Grande do Sul já assumida, o ex-prefeito da capital gaúcha abre uma exceção na sua obstinação em não aceitar candidaturas de vice: para a Presidência da República, ele aceitaria, apesar de considerar importante o PT ter um nome de outro partido na vaga.
Leia a seguir, a entrevista:
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Agência Folha - O sr. tem defendido a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e um nome de outro partido para a vaga de vice em uma aliança. Caso haja espaço para um candidato petista a vice, o sr. poderia ser o nome ao lado de Lula?
Tarso Genro - Eu defendo a posição de uma frente de esquerda em que o vice seja de fora. Se numa eventualidade isso não acontecer e o meu nome for cogitado, eu vou examinar com seriedade.
Agência Folha - Para outros cargos, como o de governador, o sr. tem dito que quer ser cabeça-de-chapa, mas não vice...
Genro - Vamos ver quem sairá candidato pelo partido ao governo do Estado, se eu ou o Olívio (o atual presidente regional do PT, Olívio Dutra, prefeito de Porto Alegre quando Genro era vice). Se for para concorrer a vice-governador, prefiro ficar trabalhando administrativamente no partido.
Agência Folha - Que motivos levam o sr. a defender o lançamento imediato da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência?
Genro - Porque o Fernando Henrique já começou a campanha à Presidência da República. Começou por meio da campanha para a reeleição, começou por meio do aparelhamento que ele está fazendo através do governo, da distribuição de recursos para os seus aliados e começou, também, através das agressões permanentes que ele tem feito à oposição.
Agência Folha - O que o PT precisa mudar na eleição presidencial de 1998 em relação às anteriores?
Genro - Eu acho que o PT tem propostas programáticas gerais para governar o país. Nós temos, agora, que deduzir, de acordo com as conjunturas nacional e internacional, quais as medidas concretas que nós vamos tomar em três direções, principalmente. Primeiro, como manter a estabilidade da moeda sem a integração submissa na economia global. Segundo, quais as medidas concretas que nós vamos tomar para reformar o Estado e colocá-lo sob controle da sociedade civil. Terceiro, qual o tipo de crescimento econômico que combine crescimento com geração de empregos.
Agência Folha - As vitórias da esquerda na Europa e uma certa perda de terreno nas teorias neoliberais não tornam este momento fundamental para a esquerda?
Genro - O neoliberalismo bateu no teto em escala mundial. Registre-se o que está acontecendo na França. A virada política na Europa é uma virada que se dá contra governos absolutamente idênticos ao governo Fernando Henrique Cardoso. O que se discute na Europa hoje é a natureza da integração européia, quando ela vai se processar, qual o tipo de relação que as nações vão estabelecer, se são relações de cooperação e de interdependência, ou relações de submissão e capitulação de países mais fracos economicamente à Alemanha e outros países mais fortes. Isso é fundamental para o futuro da América Latina.
Agência Folha - O presidente Fernando Henrique pode hoje ser considerado um político de esquerda?
Genro - Ser de esquerda é uma definição sempre histórica e temporal. Ela tem de estar situada na história e em um determinado tempo político. Na época do regime militar, sendo oposicionista e democrata, ele era considerado um homem de esquerda. À medida que ele é o patrocinador do modelo neoliberal e do projeto das elites oligárquicas representadas pelo Antonio Carlos Magalhães, hoje ele é um homem de direita, ele não tem mais nenhuma identidade com a esquerda. A esquerda tende a promover ações de igualdade, relações de solidariedade, e a economia tem de estar subordinada ao interesse social, à distribuição. Todos os movimentos do Fernando Henrique no governo vão no sentido contrário.
Agência Folha - E a possibilidade de ser criada uma espécie de Frente Ampla no Brasil, integrando partidos com o mesmo ideário?
Genro - Eu acho que essa questão das alianças não pode ser tratada primeiro se estabelecendo a sua forma e depois se propondo o conteúdo, porque daí passa a ser um ajuntamento. Eu defendo que nós tenhamos um programa de governo, que seja um programa democrático, um programa que enfrente diretamente esses três pontos que eu coloquei anteriormente. Um programa que aborde com radicalidade e profundidade a questão da reforma agrária e que se tirem desse programa medidas concretas que o governo tenha de tomar ao longo do seu desenvolvimento.
Agência Folha - O deputado federal Milton Temer (PT-RJ) está se lançando candidato à presidência nacional do PT com o discurso de que o PT deve voltar a ser o partido que diz "não". A ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina dizia que o partido deveria ser o "PT que diz sim". Afinal, por onde deve ir o PT?
Genro - O Temer é um quadro qualificado do nosso partido, com quem eu tenho uma relação sólida política e também de amizade. Mas essa formulação, o PT que diz sim e o PT que diz não, é uma formulação meramente para agregar internamente, porque não tem nenhum significado político.
Agência Folha - Não faltaria maleabilidade ao PT para ter melhores resultados eleitorais?
Genro - Recentemente, eu li um editorial elogiando a esquerda do partido, e hoje um famoso colunista que ataca permanentemente o PT aqui no Rio Grande do Sul também está elogiando a esquerda do partido. Isso significa que nós não podemos nos basear para dizer quem é a esquerda e quem é a direita do partido por aquilo que é formulado pelos formadores de opinião. Todos eles são respeitáveis, mas têm uma ideologia, têm uma visão e têm os seus compromissos políticos. O que nós temos que ter no partido não é nem mais à direita, nem mais à esquerda. Temos de ter um partido mais consequente, ou seja, com mais capacidade de implementação de ações de governo e com mais capacidade de ação social e política.
Agência Folha - As tendências do PT ajudam ou atrapalham?
Genro - Ajudam, na minha opinião. As tendências são uma estrutura interna que organiza a discussão política e promove o debate de idéias dentro do partido.
Agência Folha - O PT necessariamente tem de ter a cabeça-de-chapa nas eleições presidenciais?
Genro - Sim, na minha opinião, sim. Acho que é irrenunciável no PT a cabeça-de-chapa, não por menosprezar ou por ter um juízo negativo dos nossos eventuais aliados numa composição, mas pelo fato de que nós somos o maior partido de esquerda do país e porque temos aquele que seguramente é o candidato que tem mais condições de mobilização, o Lula.
Agência Folha - O que o Lula deve fazer em termos de marketing para mudar e conseguir ser eleito?
Genro - De marketing, eu entendo muito pouco. Mas, nesta conjuntura que nós vamos atravessar em direção a 98, ele deve fazer um trabalho de marcação clara do ponto de vista programático.

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