São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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Liberdade, competitividade e corrupção

ROBERTO CAMPOS

A crescente globalização de mercados tem aprofundado o interesse em análises comparativas do desempenho econômico dos diferentes países. O Brasil não sai com boa imagem nessas comparações. Isso é em parte injusto, porque os dados utilizados são de 1995 (ocasionalmente de 1996). Não refletem assim, adequadamente, o progresso efetuado na luta contra a inflação, assim como a liberalização gradual, lenta e "insegura" que estamos empreendendo com nosso estilo pachorrento.
Analisemos três grupos de índices comparativos:
* índices de grau de liberdade econômica;
* índice de competitividade internacional;
* índice de corrupção.
Ao contrário do que dizem os políticos de esquerda e os nacional-protecionistas de direita, o Brasil não está sequer remotamente ameaçado pelo neoliberalismo. Na ótica internacional, ainda mantemos um modelo excessivamente intervencionista e dirigista, no qual sobrevivem monopólios estatais e reservas de mercado; há um sistema fiscal complexo e confuso; a moeda não é conversível; a legislação trabalhista é rígida e burocratizada; e é minuciosa a regulamentação burocrática. Ainda somos a "República dos Alvarás"...
Consideremos primeiro os índices de "liberdade econômica". Dois estudos recentes -o "Economic Freedom of the World/1975-1995", do Fraser Institute do Canadá, e o trabalho intitulado "1997 Index of Economic Freedom", da Heritage Foundation, de Washington- concordam num ponto: o Brasil é um dos países de menor liberdade econômica no mundo. Segundo o Fraser Institute, no período 1993-95, o país estaria em 97º lugar num elenco de 103 países, superado em dirigismo econômico apenas pela Nicarágua, Síria, Argélia, Irã e Zaire. O índice contempla 17 componentes, referentes a quatro grandes áreas: 1) moeda e inflação; 2) operação e regulamentação governamental; 3) tributação e outros encargos; 4) intercâmbio internacional.
Segundo a "Heritage Foundation", que inclui dados de 1996/97, o Brasil estaria em 94º lugar, num elenco ampliado de 148 países. Na América Latina, os países mais livres, entre os economicamente relevantes, seriam o Chile (22º lugar), a Argentina (42º) e Uruguai (43º). Os índices da "Heritage Foundation" procuram mensurar dez fatores: 1º) protecionismo comercial; 2º) política fiscal; 3º) intervenção governamental na economia; 4º) inflação e política monetária; 5º) investimentos e fluxo de capitais; 6º) restrições bancárias; 7º) controle de preços e salários; 8º) direitos de propriedade; 9º) regulamentação burocrática; 10º) atividades de mercado negro.
A percepção de que o Brasil está engajado numa orgia liberalizante que o tornaria vítima do neoliberalismo é coisa de cérebros doentios, que só vicejam na rarefeita atmosfera do planalto central. Estão em curso reformas liberalizantes, mas o processo é exasperantemente lento. A privatização das telecomunicações exigirá um mínimo de dois anos, a da eletricidade será ainda mais lenta, a portuária mal começou, enquanto que a Petrossauro parece indestrutível...
Passemos agora aos índices de "competitividade internacional". As análises mais elaboradas são as do "World Economic Forum", de Genebra, que acaba de publicar o "Global Competitiveness Report" de 1997. Os fatores determinantes da competitividade seriam os seguintes:
* abertura da economia ao comércio e finança internacional;
* o papel do orçamento público e da regulamentação;
* desenvolvimento dos mercados financeiros;
* qualidade da infra-estrutura;
* qualidade da tecnologia;
* qualidade da gestão empresarial;
* flexibilidade do mercado de trabalho;
* qualidade das instituições judiciárias e políticas.
O índice mede o desempenho de 53 países. As economias mais competitivas seriam as de Cingapura, Hong Kong, Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, que, coincidentemente, são as de maior grau de liberdade. Surpreendentemente, a Grã-Bretanha (7º lugar) seria mais competitiva que a França (23º) e a Alemanha (25º). O país lanterninha em competitividade seria a Rússia (53º). Na América Latina, o campeão de competitividade seria o Chile (13º), quase no mesmo nível do Japão. (O índice obviamente não leva em consideração que o Chile é mero exportador de matérias-primas e semi-elaborados, de procura estática, enquanto o Japão exporta produtos de alta tecnologia, de procura dinâmica).
O Brasil tem classificação medíocre (42º). Entre os nossos vizinhos, nossa competitividade seria inferior à do Chile, México, Argentina, Peru e Colômbia. É que, provavelmente, tivemos péssima classificação, nos critérios de "qualidade da infra-estrutura", "flexibilidade no mercado de trabalho" e "qualidade das instituições judiciárias e políticas".
Há dois consolos para o Brasil. Estamos bem situados no índice do crescimento do mercado, sendo o Brasil considerado o sétimo mercado de maior crescimento no mundo. Isso explica porque, apesar do baixo grau de liberdade e competitividade, fazemos boa figura nas intenções de investimento declaradas por executivos de multinacionais. O Brasil alcança o 21º na escala de preferência dos investidores, quase no mesmo plano da Austrália e Indonésia, e ligeiramente superior ao México. Há dois tipos de investidores multinacionais: os que buscam "plataformas de exportação" e os que buscam servir o mercado interno - os "exports servers" versus "market servers". Pela falta de liberdade cambial, graves deficiências da infra-estrutura e excesso de regulação burocrática, o Brasil é medíocre como plataforma de exportação. Mas seu mercado interno é atraente para os "market servers". O segundo consolo é que, com a privatização da infra-estrutura (portos, ferrovias, eletricidade e telecomunicações), diminuirá nossa desvantagem competitiva.
O terceiro grupo de indicadores a que a comunidade internacional atribui cada vez mais importância na economia globalizada é o "índice de corrupção", sob a forma de propinas, comissões espúrias, extorsão e fraude. A mensuração dessas distorções é obviamente difícil, mas um esforço interessante foi feito por uma ONG - a "Transparency International", em associação com a Universidade de Gõttingen. Formulou-se uma escala de "práticas impróprias", de 0 a 10. A nota 10 se aplicaria a países de nível negligível de corrupção. Os menos pervertidos seriam a Nova Zelândia, Dinamarca, Cingapura e Finlândia, com notas acima de 9. Os Estados Unidos teriam apenas a nota 7,79, e o Japão, 6,72. Infelizmente, num elenco de 41 países, o Brasil figura entre os mais corruptos (2,70), superado em safadeza apenas pela Venezuela, Paquistão, China e Indonésia. Surpreendentemente, a Colômbia, México, Filipinas e Tailândia, nunca famosos por seu rigor ético, seriam ligeiramente menos culposos que o Brasil nas "práticas impróprias". Ainda aqui a privatização e a desregulamentação seriam excelentes antídotos. Na América Latina, a dimensão do governo é o principal determinante da corrupção. Quando se exigem licenças, haverá sempre alguém disposto a vendê-las. Quando o grande cliente de obras é o governo, haverá sempre empresas politicamente favorecidas. O arbítrio governamental é o verdadeiro pai da propina.
No Brasil, costumamos atribuir nossa baixa competitividade à sobrevalorização cambial. Mas há outros fatores estruturais mais importantes. A insuficiência da infra-estrutura (até agora provida pelos monopólios estatais) é um deles. Outro, frequentemente esquecido, é o efeito retardado da imbecil política da reserva de mercado de informática, que praticamos entre 1975-82. Dela sobrevivem resquícios sob a forma de absurdas tarifas de importação e outros encargos fiscais sobre computadores e componentes, que dificultam a modernização e estimulam o contrabando.

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