São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Droga injetável contamina 50% dos usuários

BETINA BERNARDES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Metade dos UDIs (Usuários de Drogas Injetáveis) estão contaminados pelo vírus que provoca Aids e 71% deles costumam compartilhar seringas em grupo.
Isso é o que mostra pesquisa desenvolvida de 94 a 96 com o apoio do Ministério da Saúde pela psicóloga Regina Bueno nas cidades de Santos (SP), Rio (RJ), Salvador (BA), Itajaí (SC), Corumbá (MT), Cuiabá (MS) e Goiânia (GO).
Essas são as oito cidades com maior índice de transmissão de Aids por droga injetável no país. A pesquisa é a primeira a traçar um perfil dos UDIs no país, população estimada em 500 mil dependentes.
É exatamente o uso de seringas em grupo o responsável maior pela transmissão da Aids entre os dependentes de drogas injetáveis.
Pelo menos 40 pessoas que trabalham em saúde pública no Brasil se reuniram em Brasília do dia 16 de junho até anteontem para tratar do assunto, que é uma das prioridades na área e um dos mais difíceis de ser abordado em público.
Os números da epidemia no país não deixam dúvidas. A contaminação pelo vírus HIV via seringas compartilhadas por UDIs ocupa o segundo lugar nas formas de transmissão da doença (21,3% dos 103 mil casos notificados até março deste ano) e em alguns municípios, como Itajaí (SC), cidade de maior incidência de Aids do país, é responsável por 70% dos casos.
No Estado de Santa Catarina, aliás, essa forma de transmissão já responde por 40% dos casos.
A dificuldade maior para conter a propagação da doença entre os UDIs e seus parceiros sexuais é justamente chegar até essa população, à margem da sociedade e duplamente vítima de preconceito.
"É preciso trabalhar a população em geral para que não use drogas e é preciso reduzir o uso, mas, para os que não deixam de usá-las, a troca de seringas pode ajudar a quebrar a cadeia de transmissão", diz Pedro Chequer, coordenador nacional do programa DST/Aids.
Na pesquisa coordenada por Bueno, foram ouvidos 664 usuários de drogas injetáveis. Eles têm baixíssima renda, idade média de 28 anos, 80% são homens, 84% sabem ler, 67% já foram presos mais de uma vez e apenas 33% já procuraram tratamento.
A idade média do primeiro pico é, em geral, 18 anos. Os pesquisados já usavam a droga havia pelo menos 11 anos. Os UDIs injetam cocaína nas veias em média quatro vezes por dia, 12 dias por mês. Mas a pesquisa mostra também que a heroína já é utilizada por 17% dos UDIs do Rio e 13% dos de Salvador, sendo responsável por 10% do total de drogas injetáveis.
O total de contaminados pelo HIV é 50%, mas esse índice chega a 64% em Santos. Apenas 13% deles usam camisinha com o parceiro.
Chequer destaca o papel que os Estados, municípios e organizações privadas devem assumir no combate a esse tipo de transmissão da doença e cita um número alarmante. No período que vai de 1982 a 1986, 1,6% dos municípios de 50 mil a 200 mil habitantes tinham casos de Aids por uso de drogas. No período de 1991 a 1994, 42% o tinham (veja quadro nesta página).
"O problema começou nas grandes cidades e depois aumentou muito nos outros centros. Está acompanhando a tendência de interiorização da epidemia no país", diz Chequer.
Legislação dúbia
Os municípios enfrentam dificuldades para implantar os chamados programas de redução de danos porque a legislação sobre o assunto é dúbia.
Porto Alegre e Salvador desenvolvem programas com o apoio do Ministério da Saúde. Em São Paulo, uma ONG troca as seringas dos usuários, mas ainda de forma incipiente e com dificuldades.
Uma nova legislação sobre política de drogas para o país, já aprovada pela Câmara e que deve ser votada no Senado em agosto, pode favorecer essa troca de seringas (leia texto nesta página).
Para discutir essas experiências, avaliar os programas desenvolvidos e encontrar novos caminhos, os organizadores do encontro sobre drogas e Aids convidaram um especialista internacional no assunto, o australiano Alex Wodak.

Texto Anterior: AS LINHAS DE LOTAÇÃO
Próximo Texto: Entidade distribui seringas em São Paulo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.