São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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"A Justiceira" é espelho distorcido da violência

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Justiceira" calhou de estrear em um semestre carregado de comoções nacionais causadas por casos extremados da realidade policial. O seriado veio com aquela pretensão despretenciosa, meio blasé, de desenvolver no Brasil um gênero popular no cinema americano, mas que curiosamente pouco floresceu por aqui, o policial.
O alarde não foi pequeno. Os programas são fotografados em película, empregam uma equipe de fotografia e iluminação vinda do cinema. Todo um esforço dedicado a produzir algo que se parecesse com o filme B de Hollywood.
O objetivo por si só é de alcance limitado, pura pretensão formal de gosto duvidoso. O resultado é mediano. Os roteiros dos episódios são irregulares, mas nem sempre conseguem gerar a verossimilhança necessária a manter o suspense da trama.
No último episódio, nossos amigos da "organização" -que diante da gravidez de Malu Mader tiveram que se virar com pouca participação da personagem que dá nome à série- se lançaram na armadilha de um psicopata sem plano de ataque definido.
Os personagens abusaram daqueles erros primários que despertam a desconfiança do telespectador -como dirigir-se sozinho, sem proteção ou cautela, à jaula do leão, para previsivelmente ser apreendido.
"A Justiceira" se sustenta pelo uso sempre hiperbólico de signos do policial. Guarda-chuvas pretos, sobretudos, o trem e o corpo que cai de Hitchcock. E, é claro, o tiroteio e a sequência de mortes.
O seriado conta também com tecnologias de comunicação de ponta, com muita ação movida à violência e com frequentes alusões à política, cenários e eventos da história nacional -com especial preferência pela luta armada e repressão.
Com toda essa maquinaria, o seriado vai bem de público, mas não repercute. É que a violência retratada está aquém da violência que vai no noticiário.
A fragilidade de "A Justiceira" oferece ótima oportunidade para desbaratinar a tese fácil de que a televisão é responsável pela disseminação da violência. A violência do seriado reflete, mas não chega aos pés da violência presente nos interstícios de uma sociedade que produz fenômenos como um júri popular que absolve acusados de envolvimento na chacina da Candelária e tolera a prática hedionda de incendiar mendigos.
Seriados como "A Justiceira" lidam com esse material bruto, mas não o criam. São como espelhos distorcidos. Poderiam provocar os pré-supostos do senso comum. Não é o caso aqui.

E-mail: eham@uol.com.br

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