São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 1997
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Rússia tem pressa de resolver problemas

FERNANDO CANZIAN
DO ENVIADO ESPECIAL À RÚSSIA

Bastam alguns dias de observação sobre como era a vida na corte dos czares para entender como a Rússia abraçou o comunismo com tanta rapidez.
E também para compreender como o regime comunista, que durou sete décadas, ruiu tão rapidamente -a ponto de estar quase esquecido, de propósito.
Jóias de reis, rainhas e palácios da França ou do Reino Unido são, efetivamente, muito pouco se comparados aos dos czares russos.
É impressionante a riqueza que ostentavam. Está nos museus, nos prédios, por todos os lugares. E o cruel é que o próprio povo russo, escravo absoluto dos mandos e desmandos dos czares até 1861, era a fonte dessa riqueza. E, na prática, continuou sendo até 1917.
Portanto, quando Vladimir Ilich Lênin desembarcou em Petrogrado (atual São Petersburgo), em outubro de 1917, disposto a lutar pela implantação do comunismo, o país, cansado, estava mais do que pronto para o sistema.
Lênin oferecia, no mínimo, a divisão dessa riqueza incalculável.
Seguiram-se mais sete décadas de absolutismo temperado pelo terror de um aparelho estatal totalitário, a KGB, a perseguição a pessoas comuns, intelectuais e o resto.
Quando o sistema não parava mais em pé, e os reformadores ofereceram a opção capitalista, já aplicada globalmente, novamente os russos nem piscaram: atiraram-se novamente de cabeça, dessa vez no mercado e na tentativa de modernização.
Agora, novamente, a Rússia tem pressa. E está correndo.
O tamanho das microssaias que as lindas moscovitas exibem nesta época do ano talvez seja o indicador mais sintomático de como o país corre atrás do tempo perdido, represado artificialmente.
Sepultura
Os ícones que turistas procuram da Rússia comunista ou dos czares ainda estão lá, mas são apenas aparentes. Dentro da cabeça dos russos, e na prática, esses símbolos já estão mortos ou enterrados.
O último deles, a múmia de Lênin, terrivelmente exposta em um mausoléu na praça Vermelha, deverá ter seu destino decidido nos próximos meses em um plebiscito.
E os russos já cunharam o slogan que deverá servir de pá para enterrar Lênin: "Nada pode dar certo em um país onde o cadáver principal continua insepulto".
Um dos maiores desafios do país nessa fase é substituir o sistema comunista falido por uma economia de mercado, capaz de suprir o que o velho sistema não fornecia mais.
Os desafios são enormes e complexos. Diferentemente de qualquer outro lugar, a Rússia praticamente não teve um mercado neste século. E a administração e produção centralizadas no Estado ruíram no início desta década.
O governo tenta agora importar know-how e estimular a modernização do país -e, para quem não estava no ramo, até que parece estar fazendo um bom trabalho.
Dezenas de empresas de serviços e bancos estão entrando, a cultura de mercado se alastra, e a publicidade prolifera.
Mas ainda são fortes a instabilidade e a falta de traquejo governamental no dia-a-dia com o mercado, o que impede que muitas empresas se sintam à vontade para investir de verdade nesse mercado de 150 milhões de pessoas.
É uma questão de tempo, que trará ao longo do caminho, cheio de quebra-molas, sucessos e mazelas. A máfia russa é uma delas.
Na Rússia, ao contrário de outros países, a máfia é o exemplo mais pleno do que pode acontecer quando o Estado tira algo do lugar e não coloca nada em troca.
O crime já se organizou a ponto de controlar não apenas os produtores, mas de ser, ele próprio, o produtor, o atravessador e o financista -tamanho o vácuo deixado pelo Estado.
O governo agora se esforça não apenas coibir os "neomafiosos", mas para atraí-los para o mercado, onde seriam fonte de impostos e segurança.

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