São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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Indústria cultural mistura medo e entusiasmo com a "nova identidade"

EM HONG KONG

A indústria cultural de Hong Kong assiste à chegada do novo poder com uma mistura de medo de restrições à liberdade de expressão e de entusiasmo pelo surgimento de "uma nova identidade chinesa" para os artistas locais.
Hong Kong, terceiro maior produtor de filmes do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Índia, já se despediu de alguns de seus principais cineastas. John Woo e Ringo Lam, por exemplo, desembarcaram em solo norte-americano para continuar a produzir os seus filmes de ação.
Cineastas e outros artistas que exploram temas "condenados" por Pequim, como homossexualismo, drogas ou debate político, temem encontrar, depois de 1º de julho, um universo mais difícil para conseguir financiamento para suas produções ou mercado para vendê-las.
É o caso de Wong Kar-wai, premiado como melhor diretor no último Festival de Cannes com "Happy Together".
O diretor declarou que resolveu filmar antes da devolução a história de dois homossexuais que trocam Hong Kong por Buenos Aires para viver sua paixão porque poderia encontrar dificuldades para realizar o filme depois.
O cineasta chinês Chen Kaige, por sua vez, conseguiu finalizar seu "Temptress Moon" em Hong Kong, mas o filme foi banido das telas chinesas sob o argumento de "enfatizar em demasia os aspectos negativos da realidade".
O ator e cineasta Tang Shu-wing ilustra a galeria de artistas que passaram a buscar "a nova identidade cultural chinesa" de Hong Kong. Em vez de ir ao exílio, reforçou seus contatos com a indústria do cinema na China, para começar a trabalhar em produções que ele definiu como "mais chinesas em seu conteúdo, com menos influências estrangeiras".
Chang Tsong-zung, diretor da galeria Hanart T Z, acha que os artistas não devem temer a mão pesada de Pequim. "Poderá haver aqui tentativas de intimidação, mas nunca uma censura como a que existe na China", afirma.
Pequim também usa a censura para filtrar a "influência cultural negativa" que poderia vir com filmes de ação e livros de Hong Kong, bastante populares no resto do país. O governo chinês busca impedir a entrada de obras "com valores anticomunistas" que preguem, por exemplo, democratização ou abordem temas sociais como prostituição.
Exemplo de obra aprovada por Pequim são os romances de artes marciais escritos pelo jornalista Louis Cha.
Chang admite que, para evitar atritos com o novo poder, alguns artistas de Hong Kong estão buscando hoje "despolitizar" seu trabalho.
"Mas acho também saudável essa opção", diz. "Esses artistas mostram que sua arte está madura, não respondendo aos eventos do dia, mas cultivando visões artísticas de longo prazo."
Prossegue Chang: "O ambiente de criação para nossos artistas está mudando, eles se vêem hoje como artistas chineses, em busca de uma identidade própria, o que é positivo".
Segundo ele, diversos pintores deixam de ter Europa e EUA como referências principais para priorizar seus vínculos com a cultura tradicional chinesa.
Chang Tsong-zung tira uma baforada de seu charuto cubano e aponta mudanças no comportamento dos colecionadores de arte de Hong Kong.
"Desde os anos 80, quando começou a diminuir a apreensão em relação ao futuro do território, nossos clientes passaram a mostrar mais interesse e a comprar mais peças da China."
A convivência entre Hong Kong e China, no entanto, nem sempre navega em harmonia no mundo da cultura.
No ano passado, o governo chinês quis receber com antecedência a lista dos filmes que seriam exibidos no festival anual de Hong Kong, para indicar as "produções indesejáveis". O pedido não foi atendido.

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