São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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O 13º boneco

MOACYR SCLIAR

O funcionário da Força Aérea norte-americana encarregado de recolher os bonecos embarcados em balões para experiências espaciais desincumbiu-se da tarefa com muita dedicação e presteza; afinal, tratava-se de patrimônio governamental, que tinha de ser preservado. Percorrendo o deserto do Novo México em todas as direções, ele conseguiu, em poucos dias, os 13 bonecos, que foram devidamente guardados num barracão para esse fim construído, no próprio deserto.
Satisfeito com seu próprio desempenho, o funcionário todos os dias examinava os bonecos. Eram uns manequins estranhos, aqueles. Não pareciam seres humanos; todos tinham grandes cabeças e grandes olhos escuros. Claro que, em se tratando de objeto de experiências, perfeição não era condição essencial; mesmo assim, pensava o funcionário, poderiam ter feito uns bonecos mais humanos.
Havia um que, em especial, o perturbava. Parecia observá-lo, o manequim. Mais: parecia observar tudo o que se passava ao redor. Como alguém que precisa depois reportar, com minúcias, o que viu. Mais que isso, ele tinha a impressão de que o manequim se movia. Cada dia encontrava-o em uma posição ligeiramente diferente. O que só podia ser produto de imaginação doentia. Estou mal da cabeça, pensava, quem sabe preciso tirar umas férias. E decidiu: quando retirassem os manequins dali pediria uns dias para descansar.
Uma noite acordou sobressaltado, com a certeza de que algo estava acontecendo no barracão. Sem nada dizer à mulher, tomou o carro e foi até lá. Quando estava chegando, avistou, junto à construção, umas luzes brilhantes; logo depois um ruído forte e algo, uma espécie de grande pires metálico, alçou vôo, desaparecendo em seguida nas nuvens.
Aterrorizado, o funcionário correu até o barracão. Tudo parecia estar no lugar. Só que os manequins agora eram 12. Ele contou e recontou: 12. O manequim de olhar estranho tinha, simplesmente, desaparecido.
Por alguma razão, a Força Aérea esqueceu de recolher os bonecos, que ficaram muitos anos no local. E o funcionário jamais reclamou. Porque, se viessem e perguntassem pelo 13º boneco, nenhuma outra alternativa lhe restaria a não ser contar aquela incrível história. Ou então pedir imediata admissão em um hospital psiquiátrico.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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