São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 1997
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O Plano Real, três anos depois

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Na semana que vem, no dia 1º de julho, o Plano Real completa três anos. É um bom momento para fazer uma avaliação de conjunto do programa de estabilização.
Nada mais antigo, senil e mumificado do que o passado recente, costumava dizer Nelson Rodrigues. Vejam, por exemplo, a inflação brasileira. Aos poucos, vamos perdendo de vista que nos anos 80 e até meados de 1994, o Brasil atravessou a maior e mais prolongada crise inflacionária da sua história e uma das maiores da história econômica mundial. A inflação parecia resistir a todos os remédios -ortodoxos, heterodoxos ou ecléticos.
Hoje, a situação é radicalmente distinta. A taxa de inflação anual caiu para cerca de 7% a 8%. E, se não houver nenhum tumulto maior, pode-se esperar que a inflação brasileira, medida por índices de preços ao consumidor, venha a convergir nos próximos anos para as taxas observadas nos países desenvolvidos.
Não há dúvida de que os resultados em matéria de combate à inflação têm sido excepcionais. Tanto mais que foram alcançados com a economia em crescimento. É verdade que houve uma recessão em meados de 1995. É verdade, também, que as taxas de crescimento têm sido bastante modestas desde então. Mas a expansão do nível de atividade da economia nesses três anos tem sido, em média, maior do que nos anos anteriores ao Real.
Diga-se de passagem que a experiência brasileira recente contraria frontalmente a ortodoxia econômica de galinheiro propagada por tantos economistas e jornalistas econômicos ao longo dos anos 80 e no início dos anos 90. Dizia-se que seria impossível estabilizar a moeda sem equilibrar o Orçamento. "O combate à inflação passa pela recessão", proclamavam também diversos deformadores de opinião.
O Plano Real mostrou que, em determinadas circunstâncias, é possível conciliar combate à inflação com crescimento econômico. Mostrou, ainda, que a ligação entre déficit público e inflação é mais complexa do que sugeria o discurso simplório a que estivemos submetidos durante tantos anos.
Evidentemente, isso não quer dizer que o programa de estabilização já esteja consolidado. Nem seria de esperar que estivesse. Os problemas pendentes são graves, e alguns resultam da própria maneira como foi implementada a estabilização, especialmente na fase ultraliberal que antecedeu a crise do México.
Já existe um certo consenso de que o desequilíbrio externo constitui, a esta altura, a principal restrição à retomada de taxas mais significativas de crescimento econômico. Seria perfeitamente possível crescer bem mais do que a economia tem crescido nos últimos anos, sem ameaçar os ganhos obtidos em matéria de diminuição da inflação.
O problema é que a valorização cambial acumulada é de tal ordem que, mesmo com a economia em marcha lenta, as contas externas acusam déficits significativos e até crescentes. Diante disso, a equipe econômica do governo prefere, em geral, manter a economia desaquecida. Como o governo não consegue avançar muito em matéria de ajustamento fiscal, o Banco Central restringe o crédito interno e mantém juros elevados para operações em reais.
Fala-se muito na diminuição das taxas de juro desde fins de 1995. De fato, as taxas básicas de juros e as taxas que os bancos pagam aos aplicadores caíram bastante. Mas as taxas de empréstimo cobradas pelos bancos diminuíram bem menos e continuam altíssimas, sobretudo para as empresas menores e as pessoas físicas.
De acordo com dados publicados pela "Gazeta Mercantil", as taxas de juro nominais, cobradas em operações prefixadas de financiamento de capital de giro, estão em 34% ao ano. Créditos pós-fixados, por 122 dias, carregam taxas de TR mais 16% ao ano. Os juros no crédito ao consumidor e no cheque especial são ainda mais elevados.
Até agora, o governo pode repousar sob os louros do combate à inflação. Mas a persistência de taxas de crescimento econômico medíocres, juros altos e câmbio sobrevalorizado está provocando a erosão dos ganhos sociais e econômicos resultantes da queda da inflação.
Chegará um momento em que o brasileiro comum, saturado de ouvir falar no sucesso do combate à inflação, terá outras e urgentes demandas. Com o passar do tempo, inflação sob controle será cada vez menos um trunfo político e cada vez mais uma obrigação rotineira do governo.
O óbvio ululante é que, em última análise, inflação baixa não enche barriga. Um governo, mesmo o brasileiro ou o argentino, não pode viver para sempre do combate à inflação. Será preciso, algum dia, gerar um quadro macroeconômico condizente com desenvolvimento, geração de empregos e justiça social.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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